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Escrivão “Ad Hoc”: a exceção que virou regra na Polícia Civil da Bahia

Mesmo após concurso público recente, o desvio de função segue recorrente. Prefeituras continuam cedendo servidores para atuarem como escrivães nas delegacias do interior, evidenciando a omissão do Estado. (Confira artigo do EPC Luis Carlos de Souza)

Carlos Nascimento
Por: Carlos Nascimento Fonte: por Bel Luiz Carlos de Souza
04/07/2023 às 10h20 Atualizada em 05/04/2025 às 23h10
Escrivão “Ad Hoc”: a exceção que virou regra na Polícia Civil da Bahia

Por Redação Página de Polícia

Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis propõe reestruturação, mas valorização profissional ainda é incerta.

Com base em artigo do Escrivão de Polícia Civil da Bahia e dirigente da AEPEB/Sindicato, Luiz Carlos de Souza, o Página de Polícia denuncia uma prática que se tornou rotina nas delegacias do interior da Bahia: a utilização de servidores “ad hoc” para a função de escrivão de polícia civil. Esses servidores, que em sua maioria são funcionários municipais colocados à disposição das delegacias pelas prefeituras, assumem responsabilidades típicas do cargo de escrivão sem terem sido aprovados em concurso público para tal.

Embora o artigo 305 do Código de Processo Penal preveja essa nomeação em caráter excepcional, o uso frequente e prolongado desse expediente fere o princípio constitucional da obrigatoriedade do concurso público (art. 37 da CF) e representa um desvio de função institucionalizado. O próprio termo “ad hoc”, que deveria significar “para este fim específico e excepcional”, passou a designar um modelo informal de atuação funcional na Polícia Civil baiana.

O escrivão Luiz Carlos relembra que, até a Constituição de 1988, era comum a nomeação de militares e civis sem concurso para cargos como o de delegado de polícia. Essa prática foi abolida com o advento da nova ordem constitucional, mas o mesmo zelo legal não tem sido aplicado ao cargo de escrivão, sobretudo no interior do estado.

Decisões recentes dos tribunais brasileiros apontam que, embora não se permita o reenquadramento automático do servidor desviado, há direito à percepção das diferenças salariais entre o cargo exercido de fato e o cargo de origem. Casos julgados no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Santa Catarina (TJ-SC) e Sergipe (TJ-SE) ilustram como a jurisprudência tem reconhecido o desvio de função e determinado a compensação financeira ao servidor, sob pena de enriquecimento ilícito do Estado.

Além da violação legal, a situação compromete a qualidade do serviço público e desvaloriza os servidores que ingressaram por concurso. Segundo denúncia recorrente entre os profissionais, esses “escrivães improvisados” muitas vezes atuam sem formação jurídica, sem treinamento adequado e sem as garantias legais da carreira policial.

Nesse cenário, foi recentemente promulgada a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis, que institui o cargo de Oficial Investigador de Polícia (OIP) — unificando as funções de investigador e escrivão. A proposta visa racionalizar a estrutura funcional das polícias civis em todo o país, atribuindo a esse novo cargo as competências das duas carreiras anteriores.

Contudo, ainda pairam incertezas quanto à valorização salarial e profissional do novo cargo. Investigadores e escrivães baianos com nível superior continuam recebendo vencimentos líquidos inferiores a R$ 4.000,00 no início da carreira — valor que representa aproximadamente 20% dos salários percebidos por delegados de polícia.

A disparidade reforça a percepção de que há uma espécie de “casta” dentro da corporação, como ironizou um Investigador:

O futuro OIP - Oficial Investigador de Polícia ou OIP Oficial (E) Inganador de Polícia com salários de nível elementar e primeiro grau enquanto para ingresso a exigência é NÍVEL SUPERIOR.

Apesar do recente concurso público que nomeou diversos escrivães na Bahia, a persistência do desvio de função — com o uso recorrente de servidores municipais como “ad hoc” — revela a omissão do Estado em prover adequadamente os quadros da Polícia Civil. A prática, que deveria ser excepcional, tornou-se regra em várias unidades do interior, contrariando os princípios constitucionais da legalidade e da moralidade administrativa. Com a instituição do cargo de OIP pela nova Lei Orgânica Nacional, há expectativa de reorganização das carreiras policiais, mas se a desvalorização salarial e o improviso funcional continuarem, a reforma corre o risco de apenas institucionalizar um modelo que já se mostrou precário e ineficiente.

O que significa:

O termo ad hoc é uma expressão de origem latina que significa, literalmente, “para isto” ou “para esta finalidade” .

No contexto jurídico e administrativo, é utilizado para designar algo que:

  • Foi criado ou nomeado especificamente para uma determinada situação ou função temporária.
  • Não é permanente, nem geral — ou seja, é pontual e excepcional.

Exemplos de uso:

  • Comissão ad hoc: uma comissão criada exclusivamente para tratar de um tema específico.
  • Nomeação de escrivão ad hoc: nomeação de alguém para exercer temporariamente a função de escrivão, em caráter excepcional, geralmente quando não há um servidor efetivo disponível.

No caso da Polícia Civil:

Quando se fala em "escrivão ad hoc" , refere-se a alguém que não pertence oficialmente à carreira de escrivão , mas é designado (muitas vezes informalmente) para desempenhar essa função de forma temporária . O problema é que, na prática, essa “exceção” vem sendo usada como regra, o que contraria os princípios constitucionais da legalidade e do concurso público.

Texto do EPC Luis Carlos de Souza (Diretor da AEPEB/Sindicato)

A contrário sensu, observamos que há cerca de um pouco mais de 30 anos, era comum e natural nomear qualquer um do povo, mas especialmente, um graduado militar, ao cargo de "delegado de polícia" de qualquer delegacia de polícia civil, fato que foi veementemente combatido pelos delegados formalmente aprovados em concurso público. Essa prática deletéria foi extirpada do nosso ordenamento jurídico pátrio com a promulgação da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988.

Atualmente, não há falar na nomeação da figura do "delegado calça curta", no entanto, a nomeação excepcional "figura" do escrivão "ad hoc" prevista no artigo 305 do código de processo penal, passou a ser a praxe, inclusive, com a escalação formal na escala de serviço mensal e efetiva em várias unidades policiais no Estado da Bahia. É, infelizmente, a exceção se convertendo em regra, ao arrepio da lei.

DESVIO DE FUNÇÃO – Servidora titular do cargo de “Oficial Administrativo”, que foi nomeada a exercer a função de “Escrivã Ad hoc” - Pretensão ao pagamento das diferenças devidas, com os respectivos reflexos remuneratórios – Desvio de função configurado e comprovado por farto conjunto probatório. Observância da Súmula 378 do STJ, que determina que, reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes. Inversão da verba sucumbencial. Apelo provido.

(TJ-SP – APL: 00111356420118260053 SP 0011135-64.2011.8.26.0053,

Relator: Ponte Neto, Data de Julgamento: 09/04/2014, 8ª Câmara de

Direito Público, Data de Publicação: 09/04/2014)

APELAÇÃO. PRETENSÃO DE REFORMA DA SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO MEDIATO. NULIDADE DE CONTRATAÇÃO SEM A PRÉVIA REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. ESCRIVÃ 'AD HOC'. CONTRATAÇÃO MEDIANTE TERMO DE COMPROMISSO. Objeto da ação. Reconhecimento do vínculo trabalhista e pagamento de indenização por danos materiais decorrentes de contratação irregular. Cognição exauriente da matéria controvertida com a análise dos meios de prova revela que a autora exerceu atividades típicas de servidor público. Funções inerentes a serviço prestado no âmbito de Delegacia de Polícia. Demonstrativo de pagamento informa a remuneração paga pelo Governo do Estado de

São Paulo. A existência de prova no sentido de que a autora exerceu a função como terceirizada por breve período não afasta a constatação de que houve contratação oficiosa. Possibilidade de reconhecimento de relação jurídica apenas para determinar o pagamento das verbas contidas art. 7º da CF, retomadas pelo art. 39, § 3º do mesmo diploma, que representam a esfera dos direitos sociais básicos assegurados aos servidores públicos.

(TJ-SP - APL: 00014881920128260115 SP 0001488-19.2012.8.26.0115,

Relator: José Maria Câmara Junior, Data de Julgamento: 01/08/2016, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 01/08/2016)

ADMINISTRATIVO – SERVIDORA ESTADUAL – ESCREVENTE POLICIAL QUE EXERCE FUNÇÃO DE ESCRIVÃ “AD HOC” DA POLÍCIA CIVIL – DESVIO DE FUNÇÃO – PRÁTICA NÃO RECOMENDÁVEL QUE NÃO IMPEDE A PERCEPÇÃO DA DIFERENÇA DE VENCIMENTOS – RECURSO DESPROVIDO.

“Servidor público: firmou-se o entendimento do Supremo Tribunal, no sentido de que o desvio de função ocorrido em data posterior à Constituição de 1988 não pode dar ensejo ao reenquadramento. No entanto, tem o servidor direito de receber a diferença das remunerações,

como indenização, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado:

precedentes” (STF, AI-AgR n. 339.234/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 07.12.04).

(TJ-SC - AC: 697876 SC 2008.069787-6, Relator: Jaime Ramos, Data de Julgamento: 28/09/2009, Quarta Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Apelação Cível n. , da Capital.)

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – DESVIO DA FUNÇÃO DE AGENTE DE POLÍCIA – ASSUNÇÃO TEMPORÁRIA DO CARGO DE ESCRIVÃO DE POLÍCIA AD HOC – DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS – PRINCÍPIO GERAL DO DIREITO QUE VEDA OENRIQUECIMENTO ILÍCITO – PRECEDENTES DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SENTENÇA MANTIDA – IMPROVIMENTO DO APELO.

(TJ-SE - AC: 2010215525 SE, Relator: DES. JOSÉ ALVES NETO, Data de Julgamento: 02/12/2010, 1ª. CÂMARA CÍVEL)

Como podemos observar, a jurisprudência dominante é no sentido de combater tal prática que está sendo naturalizada em nossa instituição.

Esperamos que, a exemplo da proibição legal constitucional para o exercício da função de delegado de polícia civil sem a prestação do devido concurso público, da mesma forma se proceda para o cargo de Escrivão de Polícia Civil da Bahia, em homenagem ao artigo 37 da Constitucional Federal vigente.

Bel Luiz Carlos de Souza

Bacharel em Direito, Escrivão de Polícia Civil do Estado da Bahia e Diretor do Sindicato dos Escrivães de Polícia do Estado da Bahia - AEPEB.

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