Já afirmei, por diversas vezes, neste espaço, e em debates e entrevistas, a minha opinião de que não houve golpe porque o Alto Comando do Exército assim não o permitiu. A cada dia, tenho mais convicção da confirmação desta hipótese.
Com isso, nunca afirmei que não haveria —como houve e há— grupos extremistas dentro das Forças Armadas, das Polícias Militares e das Polícias Civis. Por sorte, os grupos dirigentes dessas instituições não aderiram ao planejamento de golpes tanto quanto a ações radicais que pudessem desestabilizar o regime democrático.
Num dos grupos de Whatsapp organizados pelo coronel Mauro Cid, ajudante-de-ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, observa-se o coronel Gian Dermario da Silva, comandante do Centro de Instrução de Operações Especiais, insinuar abertamente a necessidade de intervenção militar no país. Para variar, fundamenta-se em teorias políticas pouco plausíveis e pouco comprovadas empiricamente. Mas que servem, de todo modo, para arregimentar fanáticos e instigar “compatriotas” à tomada do poder pela via da força.
Outro, o coronel Marcio Nunes de Resende Junior, lotado no Estado Maior do Exército —para quem não sabe, o principal órgão de uma instituição militar a definir os destinos da organização e formular sua política interna e externa—, afirma, no mesmo grupo de WhatsApp, intitulado Dosssss, textualmente: “se Bolsonaro acionar o 142, não haverá general que segure as tropas”, criando, ainda, insídia entre os diversos escalões hierárquicos de comando.
Em todas as manifestações e intervenções havidas nos últimos cinco anos, um dos fundamentos é sempre o uso do artigo 142. Como já dito em dois artigos escritos na coluna “Polícia e Política” em novembro e dezembro do ano passado, quando tais acepções golpistas assumiram o seu ápice, é hora de repensarmos o papel das Forças Armadas e das Polícias Militares no Brasil.
É imprescindível alterar os artigos 142 e 144 da Constituição Federal. Não mais se admite o pensamento jurídico, ainda que absolutamente minoritário, e político, com maior envergadura, de se admitir as Forças Armadas como Poder Moderador do Brasil. Só houve a figura no Poder Moderador no país durante o Império, na realidade quase uma ditadura disfarçada com esse poder sendo exercido pelo Imperador. Em regimes democráticos, é a Suprema Corte, não imiscuída em política e avessa às intrigas partidárias, a instituição que diz o direito por último e arbitra os conflitos em última instância.
Restabelecer a normalidade democrática, blindar a Constituição e garantir o pleno e normal exercícios dos poderes constituídos é o grande desafio para os próximos anos.
GLAUCO SILVA DE CARVALHO - Bacharel em Direito (USP), mestre e doutor em Ciência Política (USP). Coronel da reserva da PMESP, foi diretor de Polícia Comunitária e Direitos Humanos e Comandante do Policiamento na cidade de São Paulo.