Três mulheres que integram o quadro Polícia Civil de Minas Gerais denunciam aposentadoria compulsória em casos de denúncia de assédio, como a que foi feita por Rafaela Drummond, escrivã que morreu após relatar sofrer assédio moral e sexual de superiores. A revelação das policiais aconteceu durante uma audiência pública, na sexta-feira (7), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Segundo as mulheres, existe uma política de “cale-se ou aposente-se” na Polícia Civil. Ou seja, as mulheres que decidiam denunciar abusos dentro da instituição sofriam pressão e acabavam sendo obrigadas a se aposentar por invalidez. Para isso, as mulheres afirmam que a perícia da Polícia Civil usava laudos médicos falsos, a fim de alegar que elas não poderiam continuar no serviço.
A policial Tatiane Leal Oliveira é uma das vítimas que denuncia o esquema de abusos da Polícia Civil. Ela entrou na instituição em 2014 e conta ter sofrido assédio e perseguição de um superior. Pouco depois, ela foi obrigada a se aposentar com salário proporcional.
“Quando a gente narrava que estava passando por perseguições, inclusive com assédio moral e sexual, colegas, ao invés de nos ajudarem ou nos afastarem, faziam isso [aposentadoria compulsória]. Eles falam que dão apoio psicológico, mas ninguém teve apoio de nada, isso é uma mentira. Quando a gente chega na perícia, a gente acreditava que houvesse o mínimo de ética e imparcialidade, mas não havia. Quando narrávamos que a gente estava ali sofrendo assédio, na verdade, logo em seguida eles nos aposentaram para calar a boca”, relata.
Tatiane afirmou à Itatiaia que decidiu participar da audiência para representar outros colegas, que passaram pela mesma situação que ela. Conforme a policial, o assédio acontece de forma institucionalizada, ou seja, ele vem em forma de cargas de trabalho exageradas, escalas difíceis de serem cumpridas, transferências indesejadas, perseguições e avaliações ruins de desempenho.
“Tem pessoas que foram aposentadas compulsoriamente e que não conseguem receber nem o salário mínimo. Como que uma pessoa dessa consegue pagar remédio? Consegue poder pagar uma terapia? Acabaram com a nossa saúde mental e nos descartaram como lixo. Semana passada um dos colegas tentou suicídio, e se morre pouco importa para polícia, porque ele está aposentado mesmo. Então essa foi a forma que eles utilizaram para calar a nossa boca e para dizer que na polícia não tem assédio, mas tem e temos muitos colegas que estão sofrendo”.
Aborto, licença e laudos médicos incorretos
Tatiane relata que passou a sofrer assédio moral dentro da Polícia Civil em 2019, quando trabalhava na delegacia de Vespasiano e denunciou uma ilegalidade praticada pela chefe. Segundo ela, ao invés de resolverem a situação ilegal, foi ela quem passou a ser vítima de perseguição.
Ela conta que era assediada por um policial superintendente de perícia técnico-científica, e que o homem continua na mesma posição ainda hoje. Depois que Tatiane fez a denúncia da ilegalidade, este policial abriu uma sindicância administrativa contra ela e conseguiu removê-la da delegacia. Em 2020, no auge da pandemia, Tatiane foi transferida para Betim, mas nervosa com a situação, e grávida, acabou passando mal.
“Eu estava grávida e com a notícia eu fiquei extremamente nervosa, comecei a ter cólica, sangramento e fui pro médico. Ele me disse que eu não precisava nem de fazer curetagem porque o resto ia sair durante alguns dias. Sofri um aborto”.
Enquanto estava de licença pelo aborto, uma notícia causou uma reviravolta em sua vida: Tatiane tinha uma gravidez gemelar e um dos bebês sobreviveu. Devido à pandemia, o Governo de Minas havia determinado que mulheres grávidas e lactantes trabalhassem de casa, mas o direito foi negado à Tatiane, que precisou recorrer a laudos médicos para não se expor à Covid-19.
“O meu assediador negou e falou que bastasse que eu utilizasse máscara e EPI, mesmo sendo uma gravidez de alto risco. Graças a Deus eu tive médicos que pelo menos tinham um pouco de consciência e tirei licença. Vivi uma época com luto, e, ao mesmo tempo, a alegria porque eu tinha um bebê, um sentimento perturbador. Durante toda a minha gestação eu fui afastada pelos meus médicos, só que no auge do Covid, grávida, eu tinha que ir presencialmente na perícia médica. Acho que eu era a única pessoa que aparecia lá. E a corregedoria também começou a me chamar para poder ir presencialmente. Então, minha vida era um inferno, eu não tinha descanso, eu não tinha paz”.
Em 2022, Tatiane voltou a trabalhar, dessa vez em Betim, onde ela conta que foi bem recebida pela chefe. Por isso, a policial alega que a equipe também passou a ser perseguida. Ela decidiu pedir para voltar para a delegacia de Vespasiano, que era onde ela e a família moravam, mas a transferência foi negada pelo superintendente.
“Eles negaram a minha remoção e abriram o inquérito policial contra mim. Eu comecei de novo aquele pânico, aquele inferno, fui no meu médico e ele me afastou por sessenta dias. Quando eu fui prorrogar a licença, eles [a Polícia Civil] determinaram que eu tinha doenças incapacitantes para o trabalho, me aposentaram e agora eu recebo uma aposentadoria proporcional. Todo assédio que passei geraram essas doenças que eu tenho atualmente”.
Tatiane alega, ainda, que a perícia da Polícia Civil a diagnosticou com doenças que ela não tem, para poderem justificar a aposentadoria compulsória. Ela conta que a instituição declarou que ela sofre com transtorno dissociativo, uma doença que faz com que a pessoa perca a própria personalidade.
Apesar de declarar que não deseja voltar a trabalhar na Polícia Civil, Tatiane reivindica uma aposentadoria integral, e não proporcional. Ela ainda conta que nunca pediu para ser aposentada e que os documentos ficaram prontos antes mesmo de ela passar pela perícia. Em um período de dois dias ela ficou sabendo da aposentadoria e foi afastada.
“Tudo que sofri na polícia foi decorrente de assédio, e eu tenho direito a minha aposentadoria integral. Eu não voltar porque isso não vai mudar, porque dentro da polícia, a gestão superior é toda assediadora e eu não quero voltar para isso, porque eu estou no meu limite. E quando a gente ultrapassa o limite da gente, acontece o que aconteceu com a Rafaela”.
A Polícia Civil de Minas Gerais, sobre as denúncias não deu retorno.