Nunca é demais denunciarmos, escancararmos como as polícias brasileiras em nada ou quase nada tem a ver com segurança pública aos olhos do trabalhador(a) e da maioria da sociedade. Sabemos a quem essas instituições prestam honrarias na condução de suas atividades e a quem elas se reportam! São inúmeros casos, exemplos e fatos que revelam o papel racista, patriarcal, misógino, LGBTfóbico e tantas outras características atrozes e perversas!
Contudo, quando a vítima é um trabalhador(as) policial da base dessas instituições... aquele servidor do chamado “chão de fábrica”. Quando sua morte é por suicídio ou resultado de uma ação perpetrada pela própria instituição que este(a) servidor (a) presta serviço...podemos dizer que o sinal amarelo acende e obriga refletirmos o outro lado da moeda das políticas implementadas por essas instituições dentro desse sistema de segurança pública.
No dia 28/03/2021, precisamente durante a tarde desse último domingo, testemunhamos um destes episódios trágico e triste que culminou com a morte do Soldado policial militar, Wesley Soares Góes, 38 anos, negro, solteiro, sem filhos, lotado no 72° CIPM na cidade de Itacaré no Estado da Bahia. Nesse dia fatídico, seus atos revelaram um estado de descontrole ou surto psíquico expresso pelo próprio, devido a política e doutrina das PM’s em todo país. Uma cultura doutrinária que invisibiliza, desmoraliza, desumaniza, violenta e nega o papel de sujeito pertencente às Polícias Militares no Brasil. Cultura visivelmente mais perversa e contundente com os(as) praças desta instituição secular.
O Sd PMBA Wesley Soares Góes surge na tarde de domingo em frente ao cartão postal de Salvador, Farol da Barra, portando um fuzil de calibre .556, fardado, com o rosto marcado com as cores verde e amarela declarando que não mais suportava as perseguições, assédio moral, prisões disciplinares, baixo salário, vitimização diante do conhecido “R-quero” (O RDPM -Regulamento Disciplinar utilizado ao bel prazer de oficiais das PM’s para perseguir praças) e todo tipo de mal trato destinado à formação e ao diálogo (?) com esses trabalhadores policiais. Enfim, ele denunciava o Apartheid hierárquico entre Oficiais e Praças, que afeta diretamente a saúde mental dos Praças.
É lamentável que tenhamos que assistir e conviver com esse tipo de episódio que revela o outro lado da moeda das nossas instituições policiais e o que está por trás dos muros dos quartéis: Sistema de Segurança Pública que persegue, encarcera, tortura e mata cidadãos, sobretudo negros, pobres e residentes em periferias, e que também, persegue, maltrata, encarcera e mata policiais.
As polícias, como instituições, como local de recepção e labor desses trabalhadores policiais, promovem uma relação simbiótica entre o trabalhador policial e a instituição. Mas garante isso por apresentar uma única alternativa: invisibilizar, assediar, maltratar, perseguir, doutrinar para a morte, coisificar, retirar direitos e considerá-los(las) sub-cidadãos. A intimidação e o medo como ferramentas educativas já foram testadas e os resultados apontam não para o crescimento da pessoa, mas para uma deformação da personalidade. Isso não terá como resultado outra coisa senão trabalhadores(as) doentes a ponto de explodirem.
O medo paralisa, somatizado e acrescido de ingredientes de violência e desumanização prepara o indivíduo em geral, e não menos os(as) policiais, para reagirem em prol da violência.
Milhares de “WESLEY’S” estão nas instituições policiais. Todos e todas doentes e trabalhando no dia a dia como se fosse normal. O Wesley Góes evidenciou-se e veio a público: um grito de socorro. Os outros e outras milhares espalhados pelo país...sofrem suas dores e sintomas nas alcovas da sua vida privada ou no desempenho de suas funções profissionais. Sem condições de gritarem ou exporem suas enfermidades e problemas.
São policiais com diabetes, pressão alta, problemas circulatórios, insônia, irritabilidade, surto de descontrole, violência desmedida, uso de álcool, uso de drogas lícitas e ilícitas, fadiga generalizada, in-socializáveis e sempre à procura do distanciamento humano.
Todos e todas esses(as) trabalhadores(as) estão aí no dia a dia do labor policial. Quando não se afastam para curar as doenças crônicas (que na imensa maioria das vezes não são relacionadas na doutrina, na política de recursos humanos e na formação profissional desses profissionais) ...muitos(as) são levados(as) ao suicídio. Ou reagem, como resultante da obviedade desse processo, como os meios de comunicações noticiam diuturnamente as tragédias nas ações policiais do nosso cotidiano.
Acrescenta-se a isso o uso indiscriminado contra praças do REGULAMENTO DISCIPLINAR DA POLÍCIA MILITAR - RDPM, que é vulgarmente denominado como “R-QUERO”. Pois, é utilizado quando oficiais das PM’s desejam por sua livre autoridade e bem querer. Instrumento já questionado nacionalmente. Principalmente pela utilização de prisões disciplinares injustificáveis e ilegalmente proposta. Dispositivo questionado e extinto através da Lei 13.967/2019 e que infelizmente a cúpula das PM’s na maioria dos estados ainda lança mão desse dispositivo cruel. E, pasmem, o governo da Bahia teve a infeliz e equivocada atitude de ajuizar no STF uma ADI 6663 contra a Lei 13.967/2019, solicitando em outras palavras o retorno das prisões disciplinares aos policiais militares da Bahia.
O governo federal e seus defensores, por sua vez, nunca fizeram nada pela segurança pública. Aliás, o (des) Governo federal além de referendar o modelo arcaico que possuímos e que, portanto, denunciamos nesta carta, busca (por meio de suas políticas fascistóide) piorar ainda mais as instituições de segurança pública em nosso país.
A morte de Wesley Soares Góes não é outra coisa senão resultante dessa mistura e exercício de coisas elencadas anteriormente.
O que não podemos concordar é que esse episódio seja ideologizado ou capturado por narrativas políticas que ao invés de relacioná-lo a falência do nosso sistema de segurança pública, ao anacronismo e ao estado putrefato das instituições policiais, tenta superficialmente destruir e atacar o pouco de democracia republicana que nos resta no estado democrático de direito, exigindo golpes, insurreições despolitizadas e de cunho fascista.
Acreditamos que a trágica morte de Wesley Soares Góes, para além das dores de familiares, parentes, amigos e colegas de trabalho, sirva de alerta e exemplo para as denúncias que fazemos insistentemente.
Precisamos reestruturar as polícias. Destruir esse modelo e construir sobre seus escombros, algo democrático, defensor e garantidor de direitos. Instituições que respeitem os direitos humanos e todos aqueles garantidos na nossa constituição federal. Para atendimento à sociedade e para as relações e atendimento ao seu público interno. Em outras palavras: aos trabalhadores policiais.
Precisamos de uma instituição DESMILITARIZADA! Uma instituição de CARREIRA ÚNICA COM INGRESSO ÚNICO! Uma instituição de CICLO COMPLETO DE POLÍCIA e, sobretudo, com controle externo realizado pelo povo. É o que se espera de um novo modelo de polícia e um outro Sistema de Segurança Pública.
Essa é a forma e a maneira inicial, com as quais o Movimento Policiais Antifascismo se manifesta, com pesar e lamentos por conta do ocorrido. E, também, discorda das narrativas infelizes e criminosas que tentam capitalizar e ideologizar a morte de um trabalhador, desmoralizando-a, ferindo-a e esquartejando o corpo do Sd. PMBA Wesley Soares Góes para interesses escusos, antidemocráticos e fascistas.
MOVIMENTO POLICIAIS ANTIFASCISMO