A verdade prevaleceu. Foi dessa forma que a Delegada Kátia Alves, ex-secretária de Segurança Pública da Bahia e ex-vereadora de Salvador, reagiu ao arquivamento do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) desta sexta, dia 20/10. A decisão chega quase 13 anos depois da sugestão de arquivamento do PAD encaminhada pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), em dezembro de 2011, e da absolvição sumária de Katia Alves na esfera criminal por decisão da 17ª Vara da Justiça Federal, com trânsito em julgado do processo concluído em 2012.
A delegada Kátia Alves, era investigada por suspeita de participação em um esquema de grampos telefônicos ordenados pelo então Senador Antônio Carlos Magalhães no ano de 2002. À época, ela comandava a pasta da segurança pública.
Além dela, foram retirados do processo administrativo, o auxiliar administrativo Alberto Fernandes Freire Júnior e o ex-servidor comissionado Ednilson Bispo dos Santos. A absolvição da SSP-BA tem como base uma decisão judicial transitada em julgado, que tramitou na 17ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia, que inocentou os três.
O Delegado de Polícia e ex-Delegado Chefe da Polícia Civil Valdir Gomes Barbosa e o ex-servidor comissionado, Alan Souza de Farias, também foram absolvidos. O primeiro por conta de seu falecimento em junho de 2021 e o segundo por prescrição da punição.
A portaria que trouxe o arquivamento do processo administrativo foi assinada pelo Secretário de Segurança Marcelo Werner e publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) da sexta-feira (20).
A decisão vem quase 12 anos depois da absolvição dos investigados pela esfera criminal, que aconteceu em dezembro de 2011. Kátia Alves disse que se sentiu aliviada. “Finalmente a Justiça foi feita. É um peso que tiro das minhas costas”, desabafou.
Para Katia Alves, por mais que a decisão pelo arquivamento retire o peso da cruz que carregou ao longo de 15 anos, desde a instauração do PAD em 2008, não corrige tudo que ela e sua família passaram por todo esse tempo.
“É impossível calcular o dano psicológico que meus filhos foram submetidos enquanto (eu) era acusada diariamente de envolvimento no esquema de escutas ilegais da SSP”, desabafa.
Além disso, ao longo dos quase 13 anos que aguardava a publicação no Diário Oficial do arquivamento do PAD Katia Alves teve as gratificações que tinha direito suspensas e foi impedida de requerer aposentadoria mesmo com mais de 40 anos de serviço público. E por mais que a decisão não corrija todas a injustiça que enfrentei ao longo desses 15 anos o mais importante é que “a verdade prevaleceu e isso é o que realmente importa”.
Questionada se o motivo da demora da publicação de sua absolvição do processo administrativo foi político devido a sua oposição aos governos petistas, a delegada preferiu não polemizar. “Só quem demorou para assinar é quem pode responder. Eu sempre fui oposição, mas não posso afirmar que foi perseguição política”, pontuou.
RELEMBRE O CASO
As escutas ilegais supostamente a mando do então senador Antônio Carlos Magalhães começaram em 2002, mas só se tornaram públicas em 2003. O caso ficou conhecido como “grampos de ACM”. O ex-senador morreu em 2007.
Na época, a repercussão dos grampos no meio político ganhou contornos nacionais e levou senadores a formular representação contra ACM no Conselho de Ética do Senado.
Teriam sido vítimas das escutas ilegais a ex-amante de ACM, Adriana Barreto, o marido Plácido Faria, o sogro dela, César Faria, além dos deputados federais Geddel Vieira Lima, Benito Gama, Nelson Pelegrino e o então prefeito do município de Maragogipe, Raimundo Gabriel de Oliveira.
ISTO É DENUNCIOU:
Na sua edição de número 1.741, de 12 de fevereiro de 2003, ISTOÉ denunciou que ACM montara um esquema na Secretaria de Segurança Pública da Bahia para monitorar os telefones de seus desafetos. Entre as vítimas do esquema estavam adversários políticos e pessoas da relação do ex-senador, como o então deputado federal e Ex-ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, o deputado do PT Nelson Pellegrino e a ex-namorada de ACM Adriana Barreto. ISTOÉ obteve cópia de um dossiê em que transcrições de conversas eram acompanhadas de comentários escritos à mão pelo próprio ACM.
O Ministério Público concluiu que Valdir Barbosa se aproveitou da investigação de um outro caso para inserir os números de telefones que interessavam a ACM. Os números dos adversários do Senador eram acrescentados ao pedido de quebra de sigilo e autorizados pela então juíza da Comarca, Tereza Cristina Navarro Ribeiro.
Já Alan Farias cuidava da parte técnica: coordenava as operações e monitorava os grampos. Numa das suas ações, Farias pediu a um funcionário da operadora TIM Maxitel que mudasse um dos números monitorados, alegando que a juíza tinha digitado o número errado.
Por falta de provas, os procuradores baianos arquivaram as denúncias contra outros seis ex-funcionários da Secretaria de Segurança Pública e da operadora de telefonia.
A Delegada de Polícia Angela Sá Labanca, em março de 2002, faz à Justiça o pedido da quebra de sigilo de telefônico de 86 pessoas, envolvidas na investigação sobre uma quadrilha de sequestradores baianos
Primeira autorização
A juíza Tereza Cristina Navarro Ribeiro, da vara de Itapetinga (BA), autoriza as escutas dos nomes. A ordem judicial vai à Secretaria de Segurança Pública (SSP) da Bahia, chefiada durante a período das escutas por Katia Alves, ligada politicamente a Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA)
Prisão dos sequestradores
A escuta é feita e parte dos sequestradores incluídos na lista são presos em 2002
Mais nomes na escuta
Alegando que a quadrilha era maior do que se pensava, o Delegado Valdir Barbosa, A época Delegado-Chefe da Polícia Civil Valdir Barbosa, faz mais pedidos de escuta telefônica
Inclusão de políticos
Em alguns dos pedidos à juíza, são incluídos pela SSP os nomes do ex-deputado Benito Gama (PMDB) e de parentes dele, do deputado federal Geddel Vieira Lima (PMDB), ambos inimigos políticos do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA, Adriane Barreto, ex-amiga do Senador e de pessoas ligadas a ela
Nova autorização
Mesmo sem ligação com a quadrilha de sequestradores dos primeiros pedidos, a juíza Tereza Cristina autoriza as escutas mais uma vez. As ordens judiciais seguem à SSP e de lá, para a companhia telefônica
Adulteração da lista e inclusão de mais políticos
Em uma das ordens autorizadas pela juíza são incluídas, à mão, os nomes do deputado federal Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) e do líder do PT na Câmara, Nelson Pellegrino, ambos também inimigos de ACM. As ordens adulteradas são encaminhadas para a companhia telefônica, assinadas por Allan Farias, assessor da SSP
Conversas de Geddel
Circularam entre jornalistas supostas transcrições feitas com base na escuta telefônica de Geddel Vieira Lima
Interlocutores
Entre os interlocutores das conversas relatadas estão o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o candidato derrotado à Presidência do PSDB, José Serra, o ministro dos Transportes de FHC, João Henrique, o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel
Conteúdo
As gravações registram conversas sobre o andamento de concorrências públicas, críticas à indicação de Rita Camata para vice de José Serra, pedidos de liberação de verbas para a campanha, oferta de votos, sugestões para atacar a candidatura de Ciro Gomes e investigações da Receita Federal
O total dos grampos
Ao todo, foram passados à companhia telefônica 232 pedidos de grampo em 126 aparelhos celulares (alguns números foram pedidos mais uma vez). O período grampeado foi entre 19 de maio e 21 de agosto de 2002 - parte do tempo do grampo foi feito no período eleitoral
Inquérito
O Ministério Público e a Polícia Federal investigou o caso, que tem cerca de 3.000 páginas de inquérito - resultado de uma investigação parcial, iniciada no dia 5 de janeiro. Para o Procurador Federal Edson Abdon, os acusados ouvidos pelo MP e pela PF "combinaram seus depoimentos"
Indiciados
Foram indiciados por falsificação de documento público e escuta ilegal o policial civil Edmilson Bispo dos Santos, Valdir Barbosa, Alan Farias e Alberto Fernandes Freire Júnior
Conselho de Ética
O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado abriu investigação contra ACM para julgar se houve quebra de decoro no caso. Para evitar desgaste político como no caso da violação do painel eletrônico do Senado, em 2001, que culminou com sua renúncia, ACM preferiu apresentar sua defesa por escrito. Nas 31 páginas de sua defesa, o senador não nega categoricamente que não seja o mentor das escutas ilegais
Abertura de processo
O parecer do Senador Geraldo Mesquita (PSB-AC), relator do caso, apresentado no dia 29 de abril, pede a abertura de processo por quebra de decoro parlamentar contra ACM, e sugere cassação do mandato do senador. A votação no conselho que aprovou o parecer foi apertada (8 votos a favor e 7 contra)
Manobra
Uma manobra da Mesa Diretora do Senado, presidida pelo amigo de ACM José Sarney (PMDB-AP), arquivou o pedido no dia seguinte à sua aprovação pelo Conselho de Ética. O arquivamento aconteceu no mesmo dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou as propostas de reformas da Previdência e tributária ao Congresso Nacional, em uma tentativa de ofuscar a decisão da Mesa Diretora.
Alguns senadores, no entanto, prometem apresentar recurso ao plenário do Senado para reabrir o processo. Entre eles, o líder do PT na Casa, Tião Viana (AC).