Recentemente, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o concurso para praças da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), o qual impunha o limite de 10% para seleção de mulheres nos quadros da instituição.[1] Por sua vez, a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Regina Helena Costa, determinou a garantia de reserva de vagas para pessoas negras em todas as etapas do concurso para os cargos de escrivão e agente da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).[2] Nesse mesmo certame da PCDF, que também passou por suspensão, o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) exigiu que candidatos destinados às vagas de pessoas com deficiência desclassificados em avaliação médica fossem reincluídos no processo seletivo.[3] Quais as possíveis consequências dessas decisões para as polícias?
Na situação avaliada pelo STF, o concurso da PMDF foi barrado por razões discriminatórias e misóginas, visto que estaria ferindo o direito fundamental à igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres previstos na Constituição. Ademais, destaca-se que o Brasil é signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), a qual visa combater formas de distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo.[4] Particularmente, essa convenção prescreve a adoção de medidas para assegurar o direito às mesmas oportunidades de emprego entre homens e mulheres. Dessa forma, o critério de restrição de participação de mulheres na PMDF parece não encontrar lastro no ordenamento jurídico contemporâneo.
Segundo a própria PMDF, a história das mulheres na instituição começou em 1983 e, desde então, há limitações para o ingresso delas na corporação.[5] Não obstante, o desejo delas em ingressarem na força é bem maior do que as barreiras estabelecidas. A título de exemplo, no concurso para a PMDF que está suspenso foram inscritos 35.066 candidatos e, aproximadamente, 37% eram do sexo feminino.[6] No sistema de ampla concorrência foram oportunizadas 1.512 vagas para homens e 168 para mulheres. Daí a razão candidato por vaga para os homens foi de 15,84 candidatos; já para mulheres ficou em 66,12 candidatas. Esses números demonstram a disparidade de oportunidades que há entre homens e mulheres para o ingresso na PMDF. Com efeito, a decisão do STF não adentrou no quesito da participação das mulheres na corporação, mas atacou o critério da discriminação no processo seletivo. Logo, uma das consequências dessa decisão é provocar a PMDF para que aponte motivos para a discriminação das mulheres, o que pode contribuir para compreender a participação feminina nas polícias.
A decisão judicial do STJ, por sua vez, determinou o estabelecimento de cotas para candidatos negros em todas as fases do concurso da PCDF; além disso, que tais candidatos também concorram às vagas de ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. O concurso da PCDF já previa a cota racial, mas a decisão visou a ampliar a oportunidade para pessoas negras. Todavia, entre as ocupações do setor público, é possível que polícias tenham mais integrantes negros do que em outros órgãos e cargos similares; embora a tendência também seja que negros ocupem menos os postos mais altos. Por exemplo, uma pesquisa de 2009, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), marcou que apenas 28,0% das vagas do cargo de delegado do país eram ocupadas por negros.[7] Portanto, a decisão do STJ tende a contribuir para a miscigenação dos quadros da PCDF, sobretudo nos postos de comando.
Agora a decisão do TCDF questionou possíveis irregularidades na fase de avaliação médica, também não a ausência de previsão de reserva de vagas para pessoas com deficiência (PcD). Por certo, graus de deficiência que não inviabilizem a função policial não deveriam impedir o acesso de pessoas com deficiência às corporações. Destaca-se que a citada decisão corrobora com outros julgados que garantiram oportunidades às pessoas com deficiência nos quadros da PCDF. Portanto, a medida da corte de contas serviu para reforçar que pessoas com deficiência possuem direitos, podendo ocupar qualquer função nos limites de suas condições físicas, inclusive dentro das corporações. Por conta disso, uma das consequências do julgado do TCDF é gerar diversificação nos membros da PCDF, o que pode torná-la mais inclusiva e representativa frente à sociedade.
As três decisões trazidas impactaram os processos seletivos da PMDF e PCDF, visto que levaram à suspensão de concursos, além disso, podem gerar outras demandas judiciais em virtude de candidatos que se sentirem prejudicados. No caso da limitação de vagas para mulheres na PMDF, a corporação terá de avaliar ajustes na distribuição de vagas entre homens e mulheres; ademais terá de enfrentar a cultura machista que predomina na força. Já nas decisões que afetaram o certame da PCDF, houve adaptações no processo seletivo para se adequar às determinações judiciais, o que certamente modificará o perfil dos novos policiais civis, assim, como a tendência de romper preconceitos e discriminações.
De todo modo, as consequências das decisões do STF, STJ e TCDF estão para além de interferências nos concursos da PMDF e PCDF, visto que consolidam a defesa das ações afirmativas em prol das mulheres, das pessoas negras e das pessoas com deficiência. Destaca-se que ações afirmativas não são questões de opinião, mas de direitos previstos em leis que as corporações também devem pactuar. Com efeito, as supracitadas decisões podem servir de parâmetros para seleções de outras polícias do país, sejam de natureza militar ou civil. O resultado disso, portanto, é que os processos seletivos para as corporações tendam a ser mais inclusivos e plurais, mas, quiçá proporcionem contextos para que as polícias sejam mais cidadãs e democráticas.
[1] STF suspende concurso da Polícia Militar do Distrito Federal. Disponível em: https://portal.stf.jus.br
[3] DECISÃO ORD N°. 5184/2022 SS Dilig. Interna. Disponível em: https://etcdf.tc.df.gov.br/
[4] DECRETO Nº 4.377, DE 13 DE SETEMBRO DE 2002
[5] 1º de Julho: Dia da Policial Militar Feminina no Distrito Federal. Disponível em: http://www.pmdf.df.gov.br
[6] Vide. Concurso praças PMDF
[7] O que pensam os profissionais da segurança pública, no Brasil – SENASP (2009). Disponível em: https://dspace.mj.gov.br
ALEXANDRE PEREIRA ROCHA - Doutor em Ciências Sociais pela UnB. Policial Civil no Distrito Federal. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Edição Nº 203 - fontesegura.forumseguranca.org.br