UNIVERSO JURÍDICO SOB OS HOLOFOTES
Nos 35 anos da Constituição, Supremo garantiu direitos e virou alvo de ataques
Desde 1988, as competências, o poder e a importância da corte cresceram muito, e ela passou a ser frequentemente acusada de 'ativismo judicial'.
28/10/2023 10h13 Atualizada há 1 ano
Por: Carlos Nascimento Fonte: conjur.com.br/

Nos 35 anos da Constituição, STF garantiu direitos e virou alvo de ataques.

MALES DO PROTAGONISMO

Nos 35 anos de vigência da Constituição Federal de 1988 — completados nesta quinta-feira (5/10) —, as competências, o poder e a importância do Supremo Tribunal Federal cresceram significativamente, seja por reformas normativas, seja pela omissão do Executivo e do Legislativo.

Com isso, a Corte passou a ser frequentemente acusada de "ativismo judicial" e virou alvo preferencial de ataques de extremistas de direita, como no atentado de 8 de janeiro, em Brasília. Porém, o STF foi essencial para assegurar direitos à população que não eram de interesse dos poderes políticos e para garantir a democracia diante das ameaças do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados.

Em poucos anos após sua promulgação, foi reconhecida a força normativa da Constituição de 1988 e o papel decisivo do Judiciário em sua concretização, afirma o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, no livro A judicialização da vida e o papel do Supremo Tribunal Federal. A partir daí, ressalta, a agenda da academia jurídica se deslocou para o tema da interpretação constitucional. Com isso, o peso dos princípios aumentou, e eles passaram a figurar ao lado das normas para juízes decidirem, avalia Barroso.

Além disso, a Constituição incrementou a quantidade de instrumentos para o exercício do controle de constitucionalidade e a busca pela efetivação de normas. Foram criadas a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a arguição de descumprimento de preceito fundamental, o mandado de injunção, o Habeas Data e, posteriormente, a ação declaratória de constitucionalidade.

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, diversas reformas normativas contribuíram para aumentar o poder do Supremo. A Emenda Constitucional 3/1993 estabeleceu a ação declaratória de constitucionalidade; a Lei 9.882/1997 disciplinou a ADPF; a Lei 9.868/1999 regulamentou o processo e julgamento da ADI e da ADC perante o STF. Os anteprojetos das três normas foram elaborados pelo atual ministro do STF Gilmar Mendes — o primeiro, em parceria com o jurista Ives Gandra da Silva Martins, o terceiro com colaborações de Luís Roberto Barroso.

A ADPF tornou-se o principal instrumento para o Supremo "tratar de tudo o que, ainda que vagamente, seja decorrente da Constituição", afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho, professor emérito de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo.

"Por meio da ADPF, o Supremo passou a poder fazer tudo o que lhe parece adequado ou conveniente, inclusive ideologicamente. O que não é fundamental na Constituição, lei fundamental por definição? E por meio da APDF, a corte toma decisões que pertencem ao campo do Legislativo e do Executivo", avalia.

Grande parte desse fenômeno se deve às liminares monocráticas, segundo o constitucionalista, especialmente em ADPFs, que já atendem de fato ao pedido, editando espécies de leis ou bloqueando normas adotadas em leis. "E tais liminares não raro têm persistido vigentes por longo tempo até que sejam apreciadas pelo Plenário", cita Ferreira Filho. Ele também aponta que o STF tem "mudado com facilidade sua jurisprudência", o que gera insegurança jurídica.

Reforma do Judiciário

Em 2004, foi aprovada a Emenda Constitucional 45, que começou a ser gestada ainda em 1993, sob coordenação do ministro Nelson Jobim e com a participação do ministro Gilmar Mendes. A emenda, que promoveu uma reforma no Judiciário, introduziu no ordenamento jurídico a repercussão geral — critério de admissão de recursos no Supremo Tribunal Federal — e a súmula vinculante — enunciado da corte de cumprimento obrigatório pelas instâncias inferiores. O Código de Processo Civil de 2015 deu um passo além e aumentou a força dos precedentes.

Essas alterações aumentaram o poder do Supremo, afirma Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá.

"A forma de funcionamento foi tornada mais interventiva com o tempo, com a Emenda 3/1993, por exemplo, que criou a ação declaratória de constitucionalidade. Com a Emenda 45/2004 e depois com o CPC de 2015, o STF passou a ter maiores poderes, por exemplo, fazendo 'teses' após cada julgamento — o que o transforma em legislador. As outras mudanças foram regimentais, como os julgamentos virtuais, que tornaram os julgamentos mais ágeis".

Em 2015, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional 88, que aumentou de 70 para 75 anos a aposentadoria compulsória de ministros do STF. Críticos da norma argumentaram que foi uma manobra para retirar da então presidente Dilma Rousseff (PT) o poder de nomear cinco ministros do Supremo até o fim de seu segundo mandato — que terminaria em 31 de dezembro de 2018, mas foi antecipado para 31 de agosto de 2016, quando ela foi condenada em processo de impeachment. Por outro lado, defensores da emenda sustentaram que ela refletia o aumento da expectativa de vida da população.

No fim do ano passado, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional 11/2022, que elevou de 65 para 70 anos a idade limite para nomeação de ministros do STF, tribunais superiores e outras cortes federais.

O próprio Supremo limitou sua competência originária ao restringir o alcance do foro por prerrogativa de função em 2018. Na Questão de Ordem na Ação Penal 937, os ministros decidiram que parlamentares só têm foro especial se os fatos imputados a eles ocorrerem durante o mandato, em função do cargo. No caso de delitos praticados anteriormente a isso, o parlamentar deve ser processado pela primeira instância da Justiça, como qualquer cidadão. Com o fim do mandato, também acaba o foro privilegiado, fixou a corte.

Na gestão de Rosa Weber, encerrada na última quinta-feira (28/9), o Supremo aprovou uma mudança no regimento interno estabelecendo que os pedidos de vista devem ser devolvidos no prazo máximo de 90 dias corridos. Já processos paralisados antes da mudança regimental devem ser devolvidos em até 90 dias úteis.

Com a alteração, também ficou definido que, em casos urgentes, o relator deve submeter decisões monocráticas imediatamente para referendo do Plenário ou das turmas, a depender da competência.

Criado em 2007, o Plenário Virtual possibilitou uma análise mais rápida dos processos pelo STF — embora receba críticas pela falta de debates entre ministros e de sustentações orais. O mecanismo teve seu uso ampliado durante a epidemia de Covid-19, chegando a representar 98,4% das decisões colegiadas em junho de 2021. 

Papeis do STF

Presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso — que é professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro — afirma no livro Sem data venia: um olhar sobre o Brasil e o mundo que, ao interpretar e aplicar a Carta Magna, o Supremo desempenha três grandes missões. A primeira é a de velar pelo governo da maioria, "respeitando e assegurando o respeito à vontade dos que foram legitimamente eleitos para dirigir o país (o presidente da República e o Congresso Nacional)".

A segunda é proteger a democracia, barrando, por exemplo, investidas de grupos majoritários para alterar as regras do jogo para se perpetuarem no poder. Já a terceira missão é proteger os direitos fundamentais dos cidadãos, inclusive os das minorias políticas e sociais.

As cortes supremas e cortes constitucionais, como o STF, atuam de três formas, avalia Barroso no livro. A contramajoritária ocorre quando o tribunal invalida atos e leis do Executivo e do Legislativo por enxergar violação deles à Constituição. É o que ocorreu quando o Supremo considerou inconstitucional a proibição à publicação de biografias não autorizadas.

A representativa é a função que a corte exerce quando atende a demandas sociais legitimadas pela Constituição, mas que não foram concretizadas pelo poder político. Exemplos desse papel são as decisões do STF de proibir o nepotismo em cargos comissionados e de vedar as doações eleitorais por empresas.

Em situações excepcionais, o tribunal pode exercer um "papel iluminista" "para proteger minorias e avançar a história", mesmo que contra a vontade do Congresso e da maioria popular. Foi o que o Supremo fez ao estender às uniões homoafetivas o mesmo regime das uniões estáveis.

Barroso deixa claro que, como regra geral, a postura do Judiciário perante o Congresso deve ser de autocontenção, em respeito às normas editadas por parlamentares. No entanto, o quadro se modifica nas situações em que o Parlamento deveria ter atuado, mas não quis ou não conseguiu, por falta de consenso.

No livro, o ministro diferencia dois tipos de judicialização. A quantitativa se refere a uma "certa explosão" no número de processos no país. Já a qualitativa designa o fato de que boa parte das grandes questões nacionais — políticas, econômicas, sociais e éticas — passaram a ser resolvidas pelos tribunais. Entre elas, o impeachment de Dilma Rousseff, os planos econômicos, as cotas para minorias e a descriminalização do uso de drogas. Esse fenômeno tem pontos positivos e negativos, analisa Barroso.

"As grandes questões nacionais terminam sendo judicializadas quando não são resolvidas a tempo e à hora pelas instâncias políticas tradicionais. O lado bom é que exista o Judiciário para atender demandas sociais que não foram satisfeitas pelos outros Poderes. O lado ruim é que a judicialização de questões políticas em sentido amplo significa que elas não estão sendo equacionadas por quem deveria fazê-lo. A judicialização evidencia, assim, uma deficiência grave no funcionamento da política majoritária, que é aquela conduzida pelos órgãos eletivos — Legislativo e Executivo", pondera no livro.

O ministro também distingue judicialização de ativismo. A judicialização é "produto de um ordenamento jurídico que facilita bastante o acesso relativamente barato ao Poder Judiciário para discutir qualquer direito ou pretensão". Já o ativismo judicial designa um "modo proativo e expansivo de atuação, produzindo resultados não expressamente previstos na Constituição ou na legislação". O contrário do ativismo é a autocontenção, o respeito, pelo Judiciário, à atuação dos outros poderes.

Na visão de Barroso, o Judiciário deve ser autocontido em temas referentes à economia, à administração pública e a escolhas políticas em geral, como a escolha de ministros ou a transposição de um rio. Porém, a Justiça e o STF podem agir de forma mais ativista em casos que envolvam direitos fundamentais (como liberdade de expressão e proteção de minorias) ou defesa da democracia (impedir o prolongamento de um modelo de financiamento eleitoral que gerou escândalos de corrupção).

Ativismo judicial

O STF vem, há mais de uma década, tomando algumas das decisões políticas mais importantes do Brasil. Algumas delas foram a que permitiu uniões estáveis homoafetivas; as que validaram as cotas raciais em universidades e concursos; a que permitiu o aborto de anencéfalos; e as que determinaram que estados e municípios tinham competência para impor medidas sanitárias durante a epidemia de Covid-19.

A corte também teve um papel essencial ao frear o ímpeto golpista de bolsonaristas, especialmente com as decisões nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos.

Críticos apontam que o Supremo vem atuando, muitas vezes, de forma ativista. Lenio Streck afirma que o ativismo — que não é bom para a democracia — ocorre quando o STF interfere em outros poderes como se fosse o legislador, fazendo juízos políticos e morais que são da atribuição do Legislativo ou do Executivo. Para o jurista, mudar o texto do juiz das garantias e regulamentar a posse de drogas é ativismo.

Já a judicialização, segundo Lenio, acontece quando há omissão de outros poderes que acarreta violação a direitos fundamentais de forma imediata. Nesse cenário, o fenômeno é desejável em qualquer democracia, diz. Mas desde que siga critérios.

De acordo com o constitucionalista, o STF só pode intervir em políticas públicas quando houver um direito subjetivamente exigível; a decisão puder ser universalizada (ou seja, concedida em favor da qualquer pessoa); e se for possível transferir recursos das demais pessoas para fazer a felicidade de algumas sem ferir a isonomia e a igualdade. Lenio aponta que o Supremo acertou, por exemplo, ao judicializar a questão das vacinas contra a Covid-19 durante a epidemia.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho destaca que o crescimento do ativismo pelo STF foi justificado, em diversas ocasiões, pela crise do coronavírus ou pela defesa da democracia em face dos ataques promovidos por bolsonaristas.

Talvez a principal razão sociológica da intensificação do fenômeno, conforme o constitucionalista, seja o fato de que, como o STF adquiriu papel político, os grupos políticos e ideológicos passaram a lutar para incluir na corte pessoas quem partilhem os seus ideais e finalidades.

"Sempre que há uma vaga a preencher, o que mais se discute não é o conhecimento jurídico — que nem todos têm —, mas as suas amizades, as suas inclinações na política ou no plano econômico-social, a retribuição a colaborações prestadas a quem pode indicar o futuro ministro ou aos que o devem aprovar. E atualmente na escolha não pesam apenas esses méritos, mas também o gênero e a cor da pele. Ao contrário do que no passado se dizia, que ser ministro do STF 'era cargo que não se pleiteava, mas não se rejeitava', atualmente os pretendentes ou seus amigos promovem verdadeiras campanhas para que alcancem o posto, como os candidatos a cargos políticos o fazem", opina o professor emérito da USP.

Ingo Sarlet, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, diz não ter muita simpatia pelo termo "ativismo judicial", pelo menos da forma genérica com a qual é não raras vezes usado, inclusive em muitos casos com uma conotação negativa.

É fato que, com a ampliação de competências que teve desde a Constituição Federal de 1988 e a facilitação de acesso, o número de processos no Supremo aumentou muito, ressalta. Entretanto, Sarlet destaca que as críticas de que o STF está sendo ativista não são feitas apenas quando decisões afetam o campo do Executivo e do Legislativo, mas também quando são "progressistas". Por exemplo, em casos de proteção de minorias ou temas muito sensíveis do ponto de vista moral e político, como o reconhecimento das uniões homoafetivas e o aborto de anencéfalos.

De acordo com o professor da PUC-RS, a falta de atuação ou resistência do Legislativo em regular certas matérias tem contribuído para a ocupação de tais espaços pelo STF. Como a corte só pode agir quando provocada, a busca de uma solução junto ao tribunal "não deixa de ser um modo de exercício de uma cidadania processual e de uma comunidade aberta dos intérpretes da Constituição", tal como propostas pelo jurista alemão Peter Häberle, argumenta. Ele cita o "importantíssimo papel" desempenhado pelas audiências públicas e a ampla participação dos amici curiae nos processos.

"Com isso, não se está a dizer que não existam razões (muito pelo contrário) para críticas a uma série de decisões do STF, bem como a algumas importantes disfuncionalidades que se tem feito sentir em todos esses anos. Mas também é correto e devido destacar que a nossa Suprema Corte tem tido um papel de grande monta em diversos setores, em especial na proteção e promoção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ainda que com variações importantes). Incluindo a proteção dos grupos vulneráveis e do meio ambiente, mas também — e isso foi particularmente evidente nos últimos anos — como defensor da democracia e de suas instituições", avalia Sarlet.

Ação e reação

Alegando, muitas vezes de forma desonesta, excesso de ativismo judicial, o Supremo virou um dos principais alvos da classe política nos últimos anos, especialmente de bolsonaristas e políticos do Centrão.

Durante o seu mandato como presidente, Jair Bolsonaro fez dos ataques ao STF uma estratégia para galvanizar seus apoiadores. As investidas têm duas origens. A primeira está nas decisões que declararam que estados e municípios têm competência para impor medidas sanitárias contra a Covid-19, como as de isolamento social. A segunda está nos inquéritos que apuram a propagação de fake news e atos antidemocráticos, bem como o financiamento dessas atividades por bolsonaristas. Há ainda um terceiro foco de ataques contra o Judiciário, mais especificamente, em face do Tribunal Superior Eleitoral e seus magistrados, relativo ao descrédito das urnas eletrônicas.

Em 2021, Bolsonaro pediu ao Senado o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. A medida foi repudiada pelo Supremo Tribunal Federal e pela OAB, e rejeitada pelo presidente da casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para quem não existiam fundamentos para impeachment contra ministros do STF. No ataque de bolsonaristas às sedes dos três poderes em Brasília, em 8 de janeiro, o prédio do Supremo foi o que sofreu maiores perdas.

Mesmo com a derrota de Bolsonaro e a reconstrução do STF, capitaneada pela ministra Rosa Weber, o Congresso segue debatendo propostas para invalidar decisões e restringir os poderes da corte.

Depois de o Supremo invalidar a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, o Congresso aprovou projeto de lei que ressuscita a medida. Como o tribunal está a um voto de descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal, Rodrigo Pacheco apresentou proposta de emenda à Constituição para tornar crime a posse de qualquer quantidade de drogas. Após Rosa Weber votar pela descriminalização do aborto, Senadores protocolaram pedido para que a população decida a questão em plebiscito.

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, nesta quarta-feira (4/10), proposta de emenda constitucional que limita decisões monocráticas e pedidos de vista nos tribunais superiores e no Supremo Tribunal Federal. Também voltaram a ser discutidos projetos que estabelecem mandatos temporários para ministros.

A proposta mais ousada é a PEC 50/2023. Ela autoriza o Congresso Nacional a anular decisões definitivas do STF quando, na avaliação dos parlamentares, extrapolarem limites constitucionais. Segundo a PEC, de autoria do Deputado bolsonarista Domingos Sávio (PL-MG), o projeto para anular a decisão do STF deverá ser proposto por, no mínimo, 171 Deputados e 27 Senadores. Para ser aprovado, precisará de 308 votos na Câmara e de 49 votos no Senado em dois turnos de votação em cada casa (o mesmo quórum exigido para aprovar mudanças na Constituição).

A ofensiva contra a corte foi criticada pelo decano Gilmar Mendes nesta terça (3/10) no Twitter.

"Agora, ressuscitaram a ideia de mandatos para o Supremo. Pelo que se fala, a proposta se fará acompanhar do loteamento das vagas, em proveito de certos órgãos. É comovente ver o esforço retórico feito para justificar a empreitada: sonham com as Cortes Constitucionais da Europa (contexto parlamentarista), entretanto o mais provável é que acordem com mais uma agência reguladora desvirtuada. Talvez seja esse o objetivo. A pergunta essencial, todavia, continua a não ser formulada: após vivenciarmos uma tentativa de golpe de Estado, por que os pensamentos supostamente reformistas se dirigem apenas ao Supremo?".

No dia seguinte, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, disse que não é hora de se mexer na corte. "Acho que o lugar em que se fazem os debates públicos das questões nacionais é o Congresso. E, portanto, vejo com naturalidade que o debate esteja sendo feito. Mas nós participamos desse debate também. E, pessoalmente, acho que o Supremo, talvez, seja uma das instituições que melhor serviu ao Brasil na preservação da democracia", declarou.

Em artigo publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico, o ministro aposentado do STF Celso de Mello afirmou que a PEC 50/2023 tem clara inspiração em dispositivo autoritário semelhante da Constituição do Estado Novo, de 1937.

Para Celso, a PEC é um "claro retrocesso histórico e grave ofensa ao dogma da separação de poderes". E se o Congresso a aprovar, a emenda pode ser barrada pelo Supremo, como a corte já decidiu nas ADIs 466, 926 e 939.

Ideias de aperfeiçoamento

Para além das propostas apresentadas sob o argumento de aperfeiçoar o Supremo, mas visando minar seu poder, constitucionalistas defendem reformas para a corte. A principal delas é a restrição do STF a matérias constitucionais.

"O STF deveria ficar restrito às questões constitucionais. E deveria se contentar em julgar a causa e não fazer 'leis gerais e abstratas' para o futuro. Judiciário cuida do passado; Legislativo, do futuro. Uma das questões preocupantes no Brasil é o excessivo poder de 'legislar' que têm os tribunais. Culpa disso também é do Legislativo", analisa Lenio Streck.

"Sou favorável a que se institua, como ocorre pelo mundo afora, uma corte especial para dirimir questões constitucionais. Composta por conhecedores de Direito Constitucional, com ilibada reputação, que não serão vitalícios, mas com mandato limitado, proibida a recondução. E sejam em parte indicados pelo Executivo, em parte pelo Legislativo, em parte pelo Judiciário. Isso não aboliria a politização do controle de constitucionalidade, mas instauraria um debate mais aberto sobre o que é ou não constitucional ou inconstitucional", aponta Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

"Com relação à uma revisão e eventual modificação das competências do STF, seria bem-vindo o fortalecimento de sua condição de guardião da ordem constitucional, enxugando no que possível e factível outras competências não diretamente relacionadas com a jurisdição constitucional, como é o caso, por exemplo, dos pedidos de extradição assim como eventual revisão de suas competências originárias em matéria penal", opina Ingo Sarlet.

(*) Sérgio Rodas é editor da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.