Desde o tempo do Homem da Caverna, o ser humano prioriza fomentar sua segurança, quando buscava locais para se abrigar contra ataques de animais predadores e dos monstros do seu imaginário e buscava alimentar-se, suprir-se. Procurava, também, preservar sua vida das intempéries do tempo, como do sol, das chuvas e das mudanças das temperaturas, estações, pelo que foi se organizando em bandos, para ganhar a força do coletivo, mantida, em ato contínuo a sua continuidade. A preservação da segurança física tinha, portanto, prioridade. Repito.
A civilização humana evoluiu, caminhando na persecução primordial da sua sobrevivência, organizando-se em Comunidades, desde as pequenas, até as maiores, chegando aos modelos de distritos, cidades, países, pari pasu, a depositar o poder de comando em uma pessoa central, o governante, com o compromisso ético pela manutenção e preservação do bem comum, na excelência, qual seja, sua integridade física.
Assim, surge o aspecto Segurança Pública na organização sócio-politica-econômica-cultural do povo, que, no sentido lato-sensu, envolve a saúde pública, educação e infraestrutura destas comunidades e, em sentido estrito, a efetiva promoção do assegurar a integridade física do cidadão no exercício da sua liberdade de locomoção, no famoso: ir e vir e de guardar o patrimônio.
Não devemos desenvolver a utopia, o ilusório, de que se instaure uma guerra – postura bélica, polarizada, destrutiva – entre o estado, detentor do poder de coerção, contra os infratores legais – das normas do Direito Penal. O que está legalmente previsto na ordem jurídica, portanto, o que, ao menos, se espera, almeja, é que exista um controle da criminalidade, um plano, um projeto, uma estrutura, um arcabouço desenhado e desenvolvido, com vistas ao declínio dos índices ora contabilizados, passando, num futuro imediato, para os índices toleráveis e, então, se atingir os índices possíveis. Os índices possíveis, registrados em tantos outros países, ainda que os aponte como de “primeiro mundo”, realidade econômica diferente da nossa.
No que diz respeito a realidade brasileira, a história nos conta, que as causas são as mais diversas que atentam contra a segurança pública, notadamente, a falta da educação pública que o aponta para, o também, possível, meio de alcançar e realizar sonhos, o que já transmudou a cultura – o jeito de agir, de se expressar e de conviver de um povo -, a desestruturação, a desagregação das comunidades mais íntimas, quais sejam: a família, a expressão da crença religiosa, o atentado, incontrolável, contra a saúde pública, pela larga expansão com uso dos psicotrópicos, mais a mais, os ilegais, ataques a integridade física dos vulneráveis, desmanche dos costumes civilizatórios rotineiros, o que faz surgir uma cultura pela ilegalidade, de silêncio e temores. Uma cultura violenta, sanguinolenta.
Em paralelo, o estado, detentor do Poder de comando e controle, perdeu sua força coercitiva, recuando e se esvaziando do seu poder repressivo e punitivo – sem fazer uso persistente e eficiente da estrutura legal da punição através de seus órgãos de atuação -. E, isso, hoje, consta como registro histórico que nada o contemporiza, nem esconde, pois vê-se, claramente, o que se disse acima: urgem novas posturas, cotidianamente, atentando contra a população, agora recheadas de tensões, medos, ameaças, ações criminosas investidas de violência contra o físico, mental – psicológica – e moral que, por conseguinte, voluma a realidade de ataque e mutilação da saúde pública.
Assim, a segurança da integridade física, moral e mental, está, quando economicamente possível, nas mãos de parcela da sociedade que vem se abrigando em condomínios de casas e apartamentos fechados – retomando a estrutura dos feudos da Idade Média -, fazendo suas compras pelo meio eletrônico e/ou em espaços de centros comerciais ilusoriamente seguros, promovendo nova forma de laser e deleite, esvaziando o convívio em locais e espaços públicos, também, saudável ao ser humano.
Percebe-se, então, que a segurança privada está a fazer a função pública e, sem sombra de dúvida, como consequência, desmonta a estrutura legal do Estado. O círculo se fecha em si mesmo. Não se vê a manutenção do comando central.
Vazio de voz, de intenção, de instaurar pânico social mas, sim, com total responsabilidade social de chamar atenção para enfrentarmos o que está ai instaurado, porque, instaurado já está.
Não se trata de elaborar um discurso com ingenuidade, por exemplo, pela mudança legislativa a estender, alargar, o tempo da punição, de exclusão do criminoso do convívio social. Ao contrário, essa não é a solução para o problema social sofrido. A solução será, sem sombra de dúvida, a efetivação da normatização que dispomos, quais sejam: processos judiciais mais céleres com aplicação das penas e fazer efetivo, seu cumprimento, enfim deve haver a certeza da aplicação da pena.
Insisto que a civilização alcançou o patamar inegável de que o estado, poder público, é o detentor do poder de comando, controle e coerção dos atos criminosos. Detentor do poder de manter a organização social na forma decalcada no ordenamento jurídico vigente e preservar, proteger a vida, a incolumidade das pessoas aqui nascidas, residentes e de passagem, isto é, do seu cidadão e do seu visitante e de seu patrimônio.
Há ainda o dever de honrar e resguardar os símbolos da nação brasileira e seu território e bens, defendendo os limites daquele, que delimita seu comando, a soberania nacional. Inegável, repito com ênfase.
Isso é questão de honra, ética e moral civilizatórias.
Necessário retomar, urgente, a nossa realidade passada, o que alcançamos, que seja: o cidadão ou ao que transita no nosso território, ter uma postura ativa, firme, presente, a procurar a autoridade da área de segurança pública para queixar e/ou denunciar uma prática delituosa, ainda que em estado de suspeita, isto é, registrar uma ocorrência, oferecendo e registrando informações, indícios, testemunhos, para que a autoridade siga na sua tarefa maior de investigar e, quiçá identificar o cometimento da infração, a mesma, a sua extensão, consequências, sempre com vistas a constituir o processo, quer administrativo, quer judicial de comando, controle e coerção da criminalidade. Conter os excessos, os desaforos atentados contra a população.
Invocar, convocar o cidadão a, sim, virem fazer esse registro com lisura a fomentar a prática policial e, no segundo momento, a desenvoltura do processo judicial penal.
O cidadão precisa ser reintegrado, precisa ser assim considerado e sentir-se participante, vigilante, atuante, neste procedimento, pelo que ser-lhe-á devolvido, desenvolvido seu poder de integrar a estrutura estatal de combate a insegurança pública que aí está. Deve-se retomar ao tempo da credibilidade da palavra, da fala, da postura, do silêncio da pessoa, enquanto ser humano, ser cidadão da sua comunidade. Responsabillizá-lo.
Essa, sim, é uma das possibilidades amadurecidas a finalidade perseguida.
LUCIANO PATRÍCIO, advogado, sócio daFTLS&ABMP advogados associados, Delegado da Polícia Civil da Bahia, aposentado.