Por Carlos Zacarias de Sena Júnior (Professor do Departamento de História da UFBA)
No próximo dia 15, comemora-se o aniversário de 134 anos da República no Brasil. A data cívica, feriado nacional, reveste-se de importância pelo significado da Proclamação e por aquilo que se assume como republicano, adjetivo que exalta o trato com a coisa pública e o respeito às instituições.
Por ocasião da efeméride, eventos estão sendo programados e o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), uma instituição que nasceu em 1894, anuncia a realização de palestras comemorativas à passagem da data.
Nada há de incomum que uma organização dedicada à história celebre a data, oferecendo a seu público a oportunidade de refletir sobre o assunto. O inusitado do evento, contudo, além da pouca presença de historiadores, é que a sua abertura foi feita por Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores de Bolsonaro, que abordou “A República ontem e hoje: um great reset no Brasil?”. Não tenho ideia do significado do título ou conteúdo da palestra, pois fechei esta coluna antes do evento, mas não perderia meu tempo para assistir um sujeito dado a esquisitices, mesmo que este tenha ocupado o principal cargo da diplomacia brasileira.
Araújo foi o ministro responsável pela tentativa de transformar o Brasil em pária internacional, atentando contra a tradição de uma diplomacia conhecida por sua habilidade e competência. Da lavra do diplomata, a designação do vírus causador da Covid-19 de “comunavírus”, uma referência à China, principal parceiro comercial do Brasil, causou constrangimento internacional em várias ocasiões, culminando com sua demissão em março de 2021.
É de se lamentar que uma entidade como o IGHB conceda a palavra a alguém que publicamente atentou contra consensos estabelecidos no âmbito científico e que fez parte de um governo que tentou golpear as instituições republicanas. Mas as responsabilidades de Araújo são maiores, haja vista que foi um abnegado divulgador de ideologias, digamos, exóticas e autoritárias.
Defenestrado do governo do ex-capitão, o discípulo de Olavo de Carvalho e fã de Donald Trump, cancelou seu blog Matapolítica 17, onde expunha suas ideias estapafúrdias, dignas de chacota da parte dos seus colegas do Itamaraty, apesar do perigo que representavam.
Melindrado pela repercussão do evento, o IGHB soltou uma nota, dizendo-se vítima de ataques cibernéticos e ódio virtual, chegando a citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento fundante da ideologia “globalista” contra o qual Araújo vem se insurgindo, como se vê na auto-apresentação que constava do blog: “Quero ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista. Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural. Essencialmente é um sistema anti-humano e anticristão”.
É de se lamentar que o terraplanismo tenha guarida no IGHB, que perde a oportunidade de prestar um bom serviço e ser relevante.
(*) Publicado no Jornal A Tarde, (Espaço do Leitor), edição de 10.11.2023