Uma vez o ator brasileiro, Pedro Cardoso (aquele que imortalizou o personagem "Agostinho Carrara" na obra "A Grande Família"), disse:
“...Num país onde foi construído o arcabouço cultural e costumes com referências em mais de 400 anos de genocídio do povo originário e da escravização do povo negro trazido da África, percebemos que possui uma imensa dificuldade de VALORIZAR e RECONHECER o TRABALHO. Nós, brasileiros, aprendemos a valorizar as coisas, os objetos, a coisificação da vida! E quase nada aprendemos para valorizar o TRABALHO!...”
Mas é preciso entender que as coisas (objetos, imóveis, aparelhos e etc.) são a expressão materializada do trabalho realizado. Não é obra do além. É a concretização de trabalho humano expresso em objeto (que parece desarticulado da ação do ser humano. Mas, não é!).
Poderíamos dizer, então, que ao endeusarmos e super valorizarmos os objetos, artefatos, aparelhos e etc., estaríamos valorizando o trabalho? Peremptoriamente, NÃO! Pois, o olhar do ser humano, imediatamente, diante do objeto é de desarticulação da definição do objeto como algo que reserva acúmulo de trabalho realizado historicamente. O olhar é um olhar alienado, desprovido desse entendimento. E por isso o objeto torna-se mais valioso do que o trabalho contido nele.
Por exemplo (seguindo o exemplo do ator brasileiro): O ser humano é capaz de comprar um imóvel de R$ 1.000.000,00. Mas se assusta quando um trabalhador cobra R$ 5.000,00 para efetuar uma pintura no mesmo imóvel.
Algo similar, podemos observar nas relações e na cultura no interior da PCBA. Valorizamos muito mais uma “palavra dita” ou escrita por um DPC e malogramos ou entortamos a boca quando essa palavra ou texto é proveniente de um(a) Investigador(a) ou escrivão(ã). As resultantes proferidas e tornadas manchetes nos veículos de comunicação, ressoadas e verbalizadas por um(a) DPC’s sempre serão redução em síntese do trabalho realizado por um conjunto de trabalhadores(as) da PCBA que são invisibilizados e desprezados na realização e concretização das suas atividades. Nunca será trabalho autônomo, independente ou exclusivo de um(a) DPC.
Contudo, nessa caminhada de luta pelo Salário de Nível Superior já ouvimos de tudo nos últimos 14 anos. Desde o absurdo de que não existe SNS até a dúvida na comparação entre o padrão de vencimento dos Peritos Criminalísticos e o padrão de vencimento dos Investigadores(as) e Escrivães.
Estou falando isso para desmistificar uma conversa mal versada que ocorre nos bastidores dos(as) trabalhadores da PCBA. Quando se referem ao trabalho do Perito Criminal (e os seus saberes) comparado ao serviço do Investigador de Polícia (e seus saberes).
Ora o Perito Criminal realiza um trabalho onde o uso de equipamentos, aparelhos e objetos científicos que são constantes e marcantes para seu labor. Inclusive para obtenção dos seus resultados.
Esse trabalho é muitíssimo valorizado. São ofertados resultados oriundos desses objetos e equipamentos. Esse é valorizado inegavelmente.
O trabalho realizado pelo Investigador de Polícia, poucas vezes lança mão de equipamentos, objetos e medidores objetivos.
O trabalho de investigação criminal é amiúde de cunho subjetivo. De percepção e colhimento de declarações e testemunhos. É frequentemente oriundo de trabalhos que estão calcados na observação, descrição e conclusões advindas do(a) Investigador(a). São frutos de uma complexa relação multidisciplinar e transversalizada de conhecimentos que estão para além da objetividade. No entanto, é mais complexo e mais profundo.
Todavia essa especificidade é subestimada, desvalorizada e secundarizada pela cultura nacional. E é justamente esse pensamento que faz com que em bastidores, alguns desprovidos de análise crítica, imaginarem que a busca pelo SALÁRIO DE NÍVEL SUPERIOR, exigindo o padrão de vencimento IGUAL ao do Perito Criminalístico, seja um devaneio. Ou uma busca que não possui precedentes.
Na forma da lei encontramos justificativas plausíveis. A investidura é a mesma. As responsabilidades dos cargos fazem com que, numa hierarquia promovida no sistema criminal, o RIC - Relatório de Investigação Criminal, seja imprescindível diante de possíveis laudos técnicos científicos. Na complexidade, não há como comparar a imensa complexidade dos atos e produções do labor de Investigadores Policiais com a produção ofertada pela perícia. Obviamente que o trabalho subjetivo possui maior complexidade e periculosidade.
No aspecto das atribuições, nos deparamos com atos diferentes e gêneros que se assemelham. Em suma, fica claro a magnitude da importância da Investigação Policial realizada por Investigadores(as), em claro destaque frente ao trabalho da perícia criminal. Essas breves e superficiais comparações já dão conta do valor/trabalho e a importância jurídica, formal que as atividades possuem.
Este é o motivo para entendermos que o valor do trabalho não pode ser inferior ao valor do objeto. O uso dos objetos, maquinários e equipamentos facilitam o trabalho, mas não obscurece e nem suprime o valor da realização do trabalho! É preciso valorar o trabalho dos(as) Investigadores(as) e Escrivães na sua real acepção.
A formação técnico científica, a produção de documentos que se assemelham a um relatório acadêmico, mesmo que não seja oriundo de equipamentos raros e caríssimos, possuem valor e importância que em nada devem aos laudos da perícia criminal. Pelo contrário! Estão, num ordenamento hierárquico de importância, à frente do laudo.
Portanto, a nossa luta pelo Salário de Nível Superior, está num patamar onde precisamos desconstruir alguns espantalhos e revelar o verdadeiro valor da atividade investigativa nas mãos de IPC's e EPC's.
Salário de Nível Superior, já!
Por Denilson Neves