O Ministro Flávio Dino foi o que mais se notabilizou neste primeiro ano do governo Lula. Conseguiu superar, inclusive, a competente atuação do Fernando Haddad no Ministério da Fazenda. Não é casual sua indicação para o Supremo Tribunal Federal, que tende a ser referendada pelo Senado. Alguns analistas sugerem que o pragmatismo político do presidente Lula está retirando estrategicamente um futuro concorrente ao Executivo federal. Se é fato ou não, o mais importante é reconhecer que o ex-governador do Maranhão tem os qualificativos necessários para compor o órgão de cúpula do Poder Judiciário.
Sua atuação à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), contudo, tem sido objeto de muita controvérsia. Como esperado, a oposição bolsonarista assumiu o protagonismo nas críticas a Dino, tentando responsabilizá-lo pelos acontecimentos de 8 de janeiro. Interessante, contudo, é o “fogo amigo” do qual foi vítima. Segmentos expressivos do petismo, incluindo a expertise da segurança pública, não poupa críticas à sua gestão. A mais recente diz respeito à utilização das Forças Armadas no Rio de Janeiro via Garantia da Lei e da Ordem (GLO), considerada medida típica de governos conservadores.
Não há dúvida de que a gestão Flávio Dino padeceu de limitações. Estou utilizando o verbo no passado, se me permitem, dando como certa sua aprovação para o STF pelo Senado. Frustrou as expectativas de muitos que esperavam verdadeira “revolução” na política nacional de segurança pública, após a “involução” ocorrida no governo Bolsonaro. Eu me incluo entre os que aguardavam a formulação e implementação de um plano estratégico consistente de controle da criminalidade de médio e longos prazos, o que não aconteceu. Eis a questão a ser considerada. O ministro Dino foi muito competente na adoção de ações de curto prazo. Gerenciou as inúmeras crises da segurança pública que eclodiram no decorrer do ano com firmeza e autoridade. Demonstrou capacidade de comando e de tomada de decisões, sem titubear diante de situações críticas. São virtudes inegáveis que devem ser reconhecidas.
Gerir a segurança pública implica, necessariamente, gerir crises. Não há como evitar a pressão para reagir diante de eventos de criminalidade violenta que caracterizam o cotidiano da sociedade brasileira e que alcançam visibilidade pública. No primeiro semestre de 2023, por exemplo, ocorreram eventos graves de chacinas em escolas. E Flávio Dino não titubeou em vir a público e assumir responsabilidades para mitigar o problema. O mesmo protagonismo não se verificou com o ministro da Educação. No caso mais recente do Rio de Janeiro, após o assassinato dos médicos na Barra da Tijuca, o ministro novamente adota postura rápida e firme de cooperação com o governo fluminense para enfrentar as milícias. Podem ser questionadas a qualidade e a consistência das ações do MJSP em tais episódios, mas não houve omissão.
Destaco, além disso, a atuação consistente de Dino na contenção da tentativa de golpe de 8 de janeiro. A despeito das eventuais falhas do setor de Inteligência do governo federal, ele comandou reação firme por parte da Polícia Federal e com o devido apoio do STF. Não bastasse isso, no começo de sua gestão foi revogada a maioria dos 40 novos regulamentos adotados pelo governo Bolsonaro no sentido da facilitação da compra e circulação de armas de fogo no Brasil. Operações específicas de repressão aos crimes ambientais na Amazônia também definiram a gestão Flávio Dino já nas primeiras semanas do ano. Em suma, não há como ignorar que o MJSP assumiu protagonismo relevante na sociedade brasileira, algo que havia sido obscurecido no governo Bolsonaro. Não se pode avaliar a gestão Dino sem considerar as gestões dos seus antecessores, quais sejam, Sérgio Moro, André Mendonça e Anderson Torres. A política de segurança pública no governo Bolsonaro pode ser resumida na seguinte frase: mais armas e … nada mais!
Mas nem tudo são flores. A gestão Flávio Dino perdeu a oportunidade histórica de deixar um legado institucional para a segurança pública. O preço que se paga por priorizar a reação às crises é a ausência de uma perspectiva estratégica. Nesse sentido, sua principal falha foi ignorar a implementação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), conforme estabelecido pela Lei Federal 13.675, de junho de 2018. O SUSP viabilizaria a governança nacional da política pública de controle da criminalidade, articulando esforços da União, Estados e Municípios. Além disso, estabeleceria mecanismos institucionais de cooperação entre as diversas organizações policiais estaduais e federais, incluindo as guardas municipais e as polícias penais. É mediante a implementação do SUSP que teremos a real oportunidade de consolidar uma política de segurança pública que transcenda a sucessão de governos, ou seja, uma verdadeira política de estado. Infelizmente, a gestão Flávio Dino não percebeu tal potencialidade do SUSP, limitando-se a distribuir recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) de acordo com diretrizes genéricas presentes no plano de ações denominado PRONASCI II.
Está em aberto a sucessão do comando do MJSP. Confesso que gostaria muito que Simone Tebet assumisse o cargo. Tebet tem todas as virtudes que observo em Dino, em especial a capacidade de tomada de decisões em situações críticas. Acredito que pode agregar perspectiva estratégica ao MJSP, algo que faltou ao futuro Ministro do Supremo Tribunal Federal.
LUIS FLAVIO SAPORI - Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Professor do curso de Ciências Sociais da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública. É associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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