O retorno da banda Novos Baianos se transformou em um processo sobre direitos autorais que tramita na 44ª Vara Cível da Justiça do Rio de Janeiro. Janete Galvão, viúva de Luiz Galvão, músico, poeta e o membro mais velho da banda, ajuizou ação na vara depois de saber que a cantora Baby do Brasil registrou o termo “Novos Baianos” no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) sob seu próprio nome e repassou um cachê considerado irrisório a Galvão, que morreu em 2022. As informações são do jornal Estadão.
As rusgas entre parte dos músicos, que opõem já há algum tempo Moraes Moreira, morto em 2020, Galvão e os remanescentes Baby, Pepeu Gomes e Paulinho Boca de Cantor, tiveram início em 2017, quando a banda assinou contrato com a Secretaria de Cultura da Bahia para um show de retorno para inaugurar a concha acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador.
Logo após esse show, Baby, segundo Janete, assinou um contrato com a produtora T4F para uma série de shows de retorno da banda e com a gravadora Som Livre para gravação de CD e DVD. Segundo a viúva de Galvão, Baby teria ficado com a maior parte dos valores oriundos deste contrato. Ela ainda afirmou que, depois de um show, cada músico recebeu só R$ 1.400.
Em 2019, entrou em vigor a propriedade da marca “Novos Baianos”, que está no INPI, que tem como único titular Baby do Brasil. Ela também tentou registrar a marca “Acabou Chorare”, icônica música composta por Moreira e Galvão, mas não conseguiu.
Segundo a reportagem do Estadão, Galvão chegou a assinar documento que cederia a marca a Baby, mas, naquele momento, diz Janete, o músico não tava apto, em termos de saúde, para firmar esse compromisso.
Neste contexto, Janete Galvão ajuizou ação para declarar a nulidade do contrato, com valor de causa de R$ 1 milhão. “Esse pessoal da antiga, quando formava grupos, era sempre tudo solto, livre, no tempo do paz e amor. Depois, você cresce, tem filho, imposto para pagar. Aí é preciso se organizar, até para deixar tudo estruturado para os herdeiros”, disse à reportagem do Estadão a advogada Deborah Sztajnberg, que defende Janete.
“O Galvão não pode ser apagado dessa história. Os herdeiros precisam ser informados ou receber pela atividade da banda. Toda vez que se utilizar a marca Novos Baianos, cada um tem que receber um quinto. Isso dará legalidade à banda.”
Além das nulidades, a ação pede que os cachês sejam repassados igualitariamente em cinco partes, incluindo valores retroativos desde 2016.
QUEM FORAM OS NOVOS BAIANOS?
“Enquanto eu corria
Assim eu ia
Lhe chamar
Enquanto corria a barca
Lhe chamar
Enquanto corria a barca
Lhe chamar
Enquanto corria a barca
(…)
Preta, preta, pretinha
Preta, preta, pretinha”
Novos Baianos – Preta pretinha
Essa é uma das músicas mais conhecidas dos Novos Baianos e uma das mais ouvidas, além da clássica letra “Brasil, esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros que nós queremos sambar”.
A história dos Novos Baianos
Certamente, ao ouvir falar de Novos Baianos uma dessas músicas vem na sua cabeça e há muitos fatos interessantes na história desse grupo que simplesmente modificou o jeito de fazer a música popular brasileira.
Eles faziam referência a praticamente todos os ritmos existentes de sua época. Os Novos Baianos eram um grupo musical bastante inovador e formado em 1969 em Salvador. Foi precisamente em um espetáculo no Teatro Vila Velha onde eles se apresentaram a primeira vez.
O nome do grupo, no entanto, faz referência à sua participação no 5º Festival da Música Popular Brasileira da TV Record de 1969. Nessa ocasião, Moraes Moreira e Luiz Galvão apresentaram a canção “De vera”, mas, antes de irem ao palco, o coordenador do festival gritou para chamar “esses novos baianos”, fazendo alusão aos outros baianos que já eram conhecidos: Caetano, Gil e Tom Zé.
“Só me dá cansaço o passo o laço dos olhares côncavos
De palavras castas, mudas, tardes, mortas para viajem
De ver as coisas as coisas primas da primavera”
Novos Baianos – De Vera
O grupo dos Novos Baianos fazia questão de inovar com suas letras cheias de jogos linguísticos e de rimas difíceis, bem como experimentavam vários ritmos que até então não casavam muito bem. Assim, a música De Vera foi desclassificada do Festival.
Quem foram os Novos Baianos?
Os Novos Baianos tinham como integrantes principais: Luiz Galvão como letrista, Moraes Moreira como compositor, Paulinho Boca como vocalista e Baby Consuelo como vocalista e percussionista. Eles foram bastante influenciados pela contracultura, pela tropicália e eram quem compunha os Novos Baianos.
No início, esse quarteto era acompanhado da banda Leifs, mais tarde chamada de A Cor do Som. E vários integrantes participaram do grupo, dentre eles: Dadi Carvalho no baixo; Jorginho Gomes e José Roberto Martins Macedo como percussionista, baixista, ukelelê e bongô; Baixinho na bateria e bumbo e Bolacha no bongô e percussão.
A produção incessante do grupo começa com o seu primeiro LP de 1970 que se chama É Ferro na Boneca.
“Não, não é uma estrada, é uma viagem
Tão, tão viva quanto a morte
Não tem sul nem norte
Nem passagem”
Ferro Na Boneca – Novos Baianos
Trata-se de um disco de Rock bastante psicodélico, lisérgico e com algumas pitadas de jovem guarda. Luiz Galvão fazia letras filosóficas e complexas que passaram despercebidas pela Ditadura Militar. As canções desse disco fazem parte da trilha sonora de filmes do diretor André Luiz Oliveira, como Meteorango Kid de 1969 e Caveira My Friend de 1970.
Como a música De Vera foi desclassificada do Festival, os Novos Baianos decidiram então morar juntos num apartamento do Rio de Janeiro, fazendo constantes ensaios e produzindo bastante, principalmente pela amizade de Luiz Galvão com João Gilberto, o que trouxe uma efervescência de ritmos às músicas do grupo.
O frevo, o baião, o choro, a Bossa Nova, o afoxé, a batucada, dentre vários outros ritmos passaram a fazer parte dos Novos Baianos.
Eles passaram colocar em seus arranjos, como bem fizeram os tropicalistas, a mistura da guitarra elétrica com a música brasileira, e intensificaram isso, dando os primeiros passos para aquilo que futuramente seria uma mistura de samba com rock.
“Baby Consuelo sim, por que não?
Baby Consuelo sim, por que não?
Veja, veja, veja
I’m sorry goodbye bye bye de baby
Baby Consuelo é o ponto, é o traço
Baby Consuelo é o ponto, é o traço”
Baby Consuelo – Os Novos Baianos
O disco Acabou Chorare é o álbum de 1972 e um marco da banda.
Nessa época, o grupo já tinha saído do Rio de Janeiro, por causa das dívidas no apartamento, e passaram a viver juntos em um sítio em Jacarepaguá, onde as músicas ganharam arranjos diferenciados, mesclando músicas do interior baiano, cavaquinho, chocalho, pandeiro, agogô com guitarra e baixo elétricos.
“Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso
Jogando meu corpo no mundo
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros
Eu deixo e recebo um tanto
E passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas
Passado, presente
Participo sendo o mistério do planeta”
Mistério do Planeta – Novos Baianos
Acabou Chorare é um disco ímpar e que defende o fim da tristeza da MPB, especialmente presentes nas músicas de protesto contra a Ditadura.
Esse é o caso das interpretações de Moraes Moreira no disco e que possuem um ritmo de alto astral.
As mais famosas canções desse maravilhoso disco são Brasil Pandeiro de Assis Valente; Tinindo Trincando bem como a clássica Preta Pretinha de Moraes Moreira e Luiz Galvão e Besta É Tu de Moraes Moreira, Pepeu Gomes e Luiz Galvão.
Um disco com um astral lá em cima se justificava pelo fato de o grupo pensar que somente a alegria é que de fato venceria os tempos difíceis do Regime Militar.
Esse álbum é um dos melhores álbuns da música popular brasileira, tanto é que, em 2007, foi eleito o maior álbum de MPB de todos os tempos pela revista Rolling Stone.
“O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada
Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato
Vai entrar no cuzcuz, acarajé e abará
Na Casa Branca já dançou a batucada de ioiô, iaiá
Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar”
Brasil Pandeiro – Novos Baianos
Ainda no sítio de Jacarepaguá, em 1973, e com as partidas de futebol que eles faziam por recreação, o grupo fez o disco intitulado: Novos Baianos Futebol Clube.
As mesmas inovações do disco anterior permaneceram e eles enfatizaram ainda mais a exaltação ao Brasil, principalmente em Sorrir e Cantar Como Bahia e também na música Só se Não For Brasileiro Nesta Hora de Moraes Moreira e Luiz Galvão.
É esse disco especificamente que faz com que os Novos Baianos cheguem ao carnaval em Salvador e inaugure o rockarnaval, inserindo um ritmo carnavalesco às suas canções. Isso chama ainda mais atenção internacional e nacional para o grupo.
“Desde lá, quando me furaram a primeira bola no meio da rua
Na minha terra, quer dizer, Juazeiro
Onde se dá ao mesmo tempo Ituaçú
O ho ho ho, a vizinha tem vidraças
Tem sim sinhô
O ho ho ho, avizinha tem vidraças
Tem sim sinhô”
Só se não for brasileiro nessa hora – Novos Baianos
A produção é intensa e, já em 1974, o grupo grava o disco Novos Baianos, conhecido como Alunte, onde a guitarra chama bastante atenção. Eles lançaram no mesmo ano Vamos pro Mundo sem Moraes Moreira, mas com muito choro, baião e samba. Em 1976, eles lançaram o Caia na Estrada e Perigas Ver, uma mistura de rock, samba e música brasileira, apresentando uma releitura de brasileirinho de Waldir Azevedo.