Nos próximos dias, o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) lançará um novo pacote de medidas para reduzir a criminalidade e a sensação de insegurança no Estado. O pacote prevê investimentos de R$ 158 milhões para a aquisição de dispositivos eletrônicos de monitoramento, focados no centro da capital e na Baixada Santista, em uma nova etapa do programa Muralha Paulista, vitrine da gestão na área de segurança pública.
Tarcísio não tem escondido sua frustração com os resultados alcançados na área. No balanço do primeiro ano de gestão, o governador admitiu que a segurança pública é a área do governo que tinha deixado a desejar. O aumento do efetivo policial nas ruas e a redução de algumas estatísticas criminais não tiveram efeito na sensação de segurança do cidadão de acordo com as pesquisas de opinião realizados pelo governo. Ao contrário, as pesquisas apontam a segurança como a principal preocupação do cidadão.
Tarcísio de Freitas não é o único governador frustrado com a persistência de elevados índices de sensação de insegurança medidos pelas pesquisas de opinião apesar das quedas nas taxas dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI). A situação de São Paulo também pode ser verificada em outros estados como Santa Catarina, Minas Gerais, Distrito Federal e Paraná.
As respostas para o problema da insegurança do cidadão também são parecidas. O programa de Tarcísio não é caso isolado: Muralha Paulista (SP), Muralha Digital (PR), Operação Atena e Cidade Segura (DF), reconhecimento facial e videomonitoramento (BA) são exemplos desse tipo de iniciativa. Observando as emendas que os parlamentares destinaram para área de segurança, verificamos que a maior parte se destinava à aquisição de equipamentos de videomonitoramento.
É preciso evitar o fetiche da tecnologia, a crença no poder dos equipamentos tecnológicos para resolver isoladamente problemas que são essencialmente da ordem social. O emprego de inovações tecnológicas ajuda, mas só se for parte de uma política pública mais ampla, envolvendo outras agências públicas e novas estratégias de intervenção estatal. Do contrário, a tecnologia vira sucata. Isoladamente, o emprego de tecnologias tem pouco efeito.
Já vimos esse filme antes. Aproveitando o impulso da Copa do Mundo FIFA 2014, alguns governos estaduais adquiriram sistemas de videomonitoramento que se mostraram inadequados e acabaram sendo abandonados. Os equipamentos eram modernos e caros, mas foram empregados sem que houvesse um diagnóstico amplo do problema ou uma política abrangente com objetivos, metas, ações, responsabilidades e indicadores claramente definidos. O resultado foi o desperdício de recursos públicos.
A sensação de segurança não está diretamente associada às taxas de criminalidade. Ela se refere à percepção que os cidadãos têm sobre o risco e o medo de serem vítimas de crime. Os estudos mostram que há lugares com baixas taxas criminais e elevados índices de insegurança. E há casos opostos, nos quais as taxas criminais são elevadas, mas o medo do crime não é tão alto. Há mais de 40 anos, pesquisadores e policiais vêm tentando entender melhor as causas e dinâmicas do medo do crime.
Melhorar a sensação de segurança dos cidadãos tem sido uma das principais preocupações de governantes e chefes de polícias de outros países. Especialmente daqueles onde as taxas dos crimes violentos não são muito elevadas. Essa, aliás, parece ser uma tendência: depois de reduzir a criminalidade violenta, o desafio seguinte é aumentar a sensação de segurança.
Entretanto, as estratégias e rotinas desenhadas para conter a criminalidade violenta não necessariamente irão funcionar para dar maior sensação de segurança aos cidadãos. Por isso, polícias mundo afora têm se aproximado de centros de pesquisa para entender melhor o fenômeno e pensar respostas mais efetivas. Boas iniciativas já foram pensadas e alguns mitos foram derrubados. O fetiche da tecnologia é um deles.
O medo do crime está presente no sistema de transporte, incluindo pontos e estações de ônibus. O medo está presente nas arruaças na vizinhança à noite, nas ruas mal iluminadas e nas áreas públicas com precárias condições de conservação. Tudo isso diz respeito à ordem pública e são tarefas desempenhadas principalmente pelas Guardas Municipais. Portanto, não faz sentido conceber uma política destinada a melhorar a sensação de segurança que não inclua as Guardas Municipais e outras agências como vigilância sanitária, secretarias de transporte e obras.
Na dimensão criminal, são os “pequenos” crimes como os roubos de ruas, as brigas, agressões e ameaças que mais impactam a percepção das pessoas sobre segurança. Os equipamentos de videomonitoramento podem ajudar a identificar os criminosos e agressores. Entretanto, sabemos que o principal problema não é a identificação dos criminosos e agressores, mas o seu indiciamento e denúncia. E isso depende da melhoria da articulação entre o trabalho das Polícias Civis, dos Ministérios Públicos, do Judiciário, do Sistema Penitenciário e do Sistema Socioeducativo. Lidar com as redes criminais que se formam em torno dos mercados ilegais, especialmente de produtos eletrônicos, também pode contribuir para reduzir a incidência de roubos de rua.
Confiar nas polícias, na justiça e nos vizinhos ajuda muito a aumentar a sensação de segurança. É o que apontam as pesquisas. Portanto, as câmeras corporais podem contribuir bastante para a melhoria da sensação de segurança. Da mesma forma, os programas de policiamento de proximidade, se bem desenhados, podem reforçar os vínculos vicinais.
Melhorar a sensação de segurança não é um desafio apenas dos governantes e secretários de segurança pública brasileiros. O tema também é preocupação central em vários outros países. É preciso entender que se trata de um novo problema que transcende a lógica do combate ao crime. Não há atalhos tecnológicos. É preciso elaborar bons diagnósticos para embasar políticas efetivas.
ARTHUR TRINDADE M. COSTA - Professor de sociologia da Universidade de Brasília e Associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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