A magnitude do suicídio policial no país ainda é uma incógnita. Apesar das recorrentes notícias nas redes sociais e na grande mídia sobre o suicídio e/ou os homicídios seguidos por suicídio (os chamados H/S) na Segurança Pública, ainda sabemos muito pouco. Os dados disponíveis ainda apresentam discrepância entre as fontes. Esse fato não se restringe ao suicídio policial e muito se deve à inexistência de uma cultura de coleta de dados sistematizada e padronizada que nos permita tecer comparações entre instituições e/ou Unidades Federativas. Sem falar na cultura organizacional baseada no “sigilo oficial”, que impede o acesso do público ao dado quando o assunto é suicídio.
Desde 2017, o Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES) tem adotado inúmeras estratégias de coleta e notificações de casos de suicídio consumado, tentativa de suicídio, homicídio seguido de suicídio e morte por intencionalidade desconhecida de profissionais de segurança pública brasileiros, visando produzir informações de qualidade e confiável.
Quando começamos este trabalho, as informações disponíveis advinham apenas dos dados do Sistema de Informação em Mortalidade do Ministério da Saúde, e a falta de preenchimento da ocupação das vítimas ou da causa da morte tornava difícil a filtragem dos casos com vítimas que eram profissionais de segurança pública. Atualmente, além da melhora no preenchimento dos dados da saúde, dispomos de outras fontes de informação. Desde 2018, o FBSP passou a contemplar os casos de suicídio policial de policiais civis e militares ativos em seu Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O Boletim de Notificação de Mortes Violentas Intencionais do IPPES visa ao aprimoramento da compreensão sobre o tema e tornar esses dados acessíveis para toda a população. Anualmente tentamos extrair o máximo de informações possíveis sobre o tema: ampliamos o escopo das instituições, das categorias analisadas (contemplando homicídios seguidos de suicídio e tentativas), passamos a coletar casos de policiais que já estavam inativos, assim como o perfil sociodemográfico das vítimas (sexo e idade), o meio utilizado, entre outros.
O IPPES iniciou o trabalho pela análise dos dados extraoficiais obtidos pela mídia e por nossa rede de colaboradores voluntários de profissionais de segurança pública. Em 2023, passamos a publicar também os dados oficiais obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), solicitados às polícias militares, polícias civis, polícias penais e forças federais (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Secretaria Nacional de Políticas Penais).
Os dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) apontaram que, entre 2018 e 2022, ao menos 509 profissionais de segurança pública ativos morreram por suicídio no Brasil. Hipotetizamos, sem poder demonstrar, que esse número seja ainda maior, já que diversas instituições recusaram ou não responderam aos pedidos. As informações extraoficiais confirmam a gravidade deste problema. O Instituto sistematizou 544 mortes: 411 mortes por suicídio, 77 mortes por suicídio que culminaram também em pelo menos um homicídio (os H/S), 56 mortes suspeitas, sob investigação ou referentes à categoria “outros”, entre os anos de 2017 a 2022.
A experiência com os pedidos via LAI demonstrou que os casos de suicídio por vezes não são compilados pelas instituições ou que as instituições recusam o acesso aos dados. Por essa razão, encontramos discrepâncias entre os dados das fontes oficiais e extraoficiais. O Gráfico abaixo evidencia este fato.
Fonte: IPPES (2023).
Esse fato não significa que as informações sejam falsas, pelo contrário. Coletar dados de outras fontes, como redes de policiais ou familiares e notícias é uma estratégia metodológica amplamente utilizada em estudos científicos (Violanti,1995a, b, Violanti, 2001 e Barron 2010) no intuito de: 1) mensurar fenômenos não disponíveis em informações oficiais, 2) coletar informações extras sobre os casos que podem não estar presentes nos registros oficiais, 3) permitir tabulações/comparações com casos obtidos de outras fontes.
A falta de correspondência tanto entre os números encontrados nas fontes extraoficiais e com os obtidos via LAI, quanto em comparação com as outras fontes de informação sobre o suicídio policial, sinaliza que estamos no caminho certo. Precisamos investir na construção de um fluxo de informação de qualidade que nos permita avançar na compreensão das mortes violentas intencionais entre os profissionais de segurança pública deste país. Para isso, o poder público e as instituições de segurança pública terão que firmar um pacto pela vida do policial, investindo em políticas de transparência e inovação de estratégias de coleta e análise de dados capazes de orientar a formulação de políticas públicas e estratégias de ações de prevenção e posvenção na Segurança Pública no Brasil.
Referências: INSTITUTO DE PESQUISA, PREVENÇÃO E ESTUDOS EM SUICÍDIO. Boletim IPPES 2023: Notificações de mortes violentas intencionais e tentativas de suicídios entre profissionais de segurança pública no Brasil. Rio de Janeiro, 2023. VIOLANTI, JM (1995a) O mistério na compreensão do suicídio policial. Boletim de aplicação da lei do FBI 4:19–23 VIOLANTI, JM (1995b) Tendências no suicídio policial. Representante Psicológico 77:688–690 VIOLANTI, JM (2001) Suicídio policial: perspectivas atuais e considerações futuras. Conferência sobre Suicídio e Aplicação da Lei, Academia do FBI, Quantico, VA BARRON S (2010) Suicídio de policial dentro da força policial de Nova Gales do Sul de 1999 a 2008. Prática e pesquisa policial: An Int J 11:371–382.https://doi.org/10.1080/15614263.2010.496568
DAYSE MIRANDA - Socióloga, doutora em Ciência Política pela USP. Presidente do Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES).
FERNANDA CRUZ - Socióloga, doutora em Sociologia pelo IESP-Uerj, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo - NEV/USP e pesquisadora associada do Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES).
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