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OPERAÇÕES ESCUDO E VERÃO: ESTRATÉGIAS QUESTIONÁVEIS NA BAIXADA SANTISTA

As operações tendem a se concentrar em comunidades de baixa renda e tocam as atividades do varejo, ceifando vidas sem provocar qualquer mudança estrutural no circuito de funcionamento do crime.

31/03/2024 às 16h39 Atualizada em 31/03/2024 às 16h56
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br/ | EDIÇÃO N.222
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OPERAÇÕES ESCUDO E VERÃO: ESTRATÉGIAS QUESTIONÁVEIS NA BAIXADA SANTISTA

Por Ariadne Natal

As Operações Escudo e Verão, realizadas em 2023 e 2024 no litoral de São Paulo, resultaram na morte de quase 70 pessoas, levantando questionamentos sobre a proporcionalidade e a violência das ações policiais. Deflagradas ou intensificadas em resposta à execução de policiais, as operações mostraram um enfoque em medidas ostensivas, direcionadas principalmente a comunidades de baixa renda, com a justificativa de combater a criminalidade e o tráfico de drogas.

O governador Tarcísio de Freitas e o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, descrevem a Baixada Santista como epicentro do tráfico de drogas no Brasil, atribuindo ao Porto de Santos um papel significativo nessa atividade. Eles defendem a necessidade de ações drásticas para enfrentar esta situação. O governador afirmou em março de 2023: “O Porto de Santos virou o maior ponto de exportação de drogas do planeta”[1], enquanto Derrite, em fevereiro de 2024, ressaltou negligência do poder público no passado em relação ao crime organizado na região, especialmente com a atuação do PCC no Porto de Santos para exportação de cocaína[2].

Entretanto, cumpre-se destacar que as atividades criminosas na região do litoral paulista são multifacetadas e, no que tange ao tráfico de drogas, dividem-se entre as grandes operações internacionais e o comércio local. No tráfico internacional, drogas de alta pureza e valor são movimentadas em grandes quantidades, exigindo corrupção e infiltração em sistemas logísticos e de fiscalização para garantir o transporte ilícito. Isso envolve detalhado conhecimento de rotas e cargas marítimas. Em contraste, o tráfico local atende principalmente aos moradores e turistas, oferecendo uma variedade de drogas com menor pureza, distribuídas em pequenas quantidades para consumo imediato. Essa diferenciação é crucial para entender a complexidade e a abrangência do crime organizado na região.

A estratégia atual da segurança pública nas operações no litoral paulista, lideradas pela Polícia Militar, se foca majoritariamente no tráfico de varejo. A atuação se dá por meio do aumento de efetivo, voltado para o policiamento ostensivo e por rondas em busca por situações suspeitas e abordagens a transeuntes. Essas ações têm resultado sobretudo na morte de policiais e de cidadãos em comunidades muito pobres e que estão bem distantes da realidade dos traficantes envolvidos no lucrativo tráfico internacional de cocaína, que não habitam casas de palafitas e barracos de madeira. Durante a Operação Escudo, a Polícia Militar apreendeu cerca de 1 tonelada de drogas variadas e teve como resultado 30 pessoas mortas em 40 dias, em contraste com a apreensão de 4 toneladas de cocaína pura pela Polícia Federal no Porto de Santos num período de 3 meses do mesmo ano, sem vítimas fatais.

Ao focar predominantemente no tráfico de varejo, e, principalmente, ao oferecer apenas uma solução violenta contra esse problema, as autoridades podem estar cometendo erros táticos e criando uma cortina de fumaça, deixando o tráfico internacional intocado. Tal estratégia não só confunde o público, mas também falha em abordar as raízes e a real complexidade do tráfico de drogas na Baixada Santista.

Durante a Operação Verão em 2024, o secretário de segurança pública argumentou que as ações policiais eram justificadas devido à alta criminalidade na região e à necessidade de combater o tráfico de drogas e suas lideranças[3]. No entanto, uma análise dos dados fornecidos pela própria secretaria questiona a necessidade de tais medidas extremas[4]. Nos últimos cinco anos, a área do Deinter 6, que abrange a Baixada Santista e Vale do Ribeira, com 4,6% da população do estado, registrou cerca de 5,2% dos homicídios, 5,6% dos casos de tráfico de drogas e 5,7% dos roubos de São Paulo. Mais notável é que houve uma diminuição contínua das ocorrências de tráfico de drogas, contradizendo a justificativa de uma situação crítica que demanda operações intensivas e violentas.

Já no que tange à ocorrência envolvendo policiais, a região do Deinter 6 concentrou nos últimos 5 anos cerca de 10% das pessoas mortas e feridas por policiais militares em serviço em São Paulo, e 10% dos policiais mortos em serviço, indicando uma super-representação do uso da força e dos casos de letalidade e vitimização policiais em comparação com outras regiões do Estado. Tais dados contradizem o discurso de combate ao tráfico de drogas e deixam transparecer uma política de segurança mais focada em demonstrações performáticas e injustificadas de força coercitiva, resultando em uma letalidade excessiva com vítimas civis e policiais.

Enquanto operações isoladas podem ter um impacto imediato limitado, um controle efetivo a longo prazo requer investigações profundas, coordenação entre agências e uma estratégia abrangente. Combater o tráfico internacional exigiria uma colaboração estreita entre a polícia estadual, a Receita e a Polícia Federal, essenciais no controle de portos e aeroportos. As ações de alta visibilidade da PM, apesar de chamarem atenção, resultam em danos humanos significativos e são apenas soluções temporárias. Um combate eficaz ao tráfico necessita de investigações técnicas, esforços contra lavagem de dinheiro e uma cooperação fortalecida entre forças de segurança em diferentes níveis governamentais.

Em resumo, as Operações Escudo e Verão, no litoral de São Paulo, marcadas por elevada letalidade e questionamentos sobre a violência e proporcionalidade das ações policiais, revelam também uma discrepância entre a retórica oficial e a realidade. Enquanto as autoridades destacam a necessidade de medidas drásticas contra o tráfico internacional na Baixada Santista, as operações tendem a se concentrar em comunidades de baixa renda e tocam as atividades do varejo, ceifando vidas sem provocar qualquer mudança estrutural no circuito de funcionamento do crime. A falta de evidências que justifiquem tais ações extremas e a sobrerrepresentação do uso da força policial na região indicam no mínimo uma estratégia mal direcionada. Um combate real ao tráfico internacional apenas seria possível com uma colaboração mais estreita entre as forças policiais estaduais e federais, com uma abordagem que envolva investigação aprofundada e estratégias integradas, abordando não apenas o tráfico local mas também as complexas redes do tráfico internacional.

[1] Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/sao-paulo/maior-ponto-de-drogas-do-planeta-diz-tarcisio-em-defesa-da-privatizacao-do-porto-de-santos/

 

[2]  Fonte: https://www.metropoles.com/sao-paulo/derrite-diz-que-acao-no-litoral-continua-e-fala-em-operacao-permanente

 

[3] https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/08/01/operacao-baixada-santista-crime-organizado-guaruja.htm?cmpid=copiaecola

 

[4] Cálculo feito com base nos dados trimestrais publicados pela Secretaria de Segurança e com base na estimativas populacionais do IBGE.

 

ARIADNE NATAL - Doutora em sociologia, pesquisadora de pós-doutorado do Peace Research Institute Frankfurt (PRIF).

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