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MULHERES E SEGURANÇA PÚBLICA: INVESTIGAÇÃO EM CRIMES DE FEMINICÍDIO

A impunidade nos casos de feminicídio reforça o mecanismo de controle dos homens sobre as mulheres. Daí a importância de uma investigação bem feita, que compreenda, de forma sensível e atenta, os sinais deixados pelo agressor. Isso pode fornecer elementos suficientes para o oferecimento da denúncia.

31/03/2024 às 17h10
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br/ | EDIÇÃO N.223
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MULHERES E SEGURANÇA PÚBLICA: INVESTIGAÇÃO EM CRIMES DE FEMINICÍDIO

Primeiramente, é necessário que se compreenda que o crime de feminicídio é um homicídio qualificado, ou seja, ainda mais reprovável, cuja pena é de 12 a 30 anos, enquanto no homicídio simples a pena varia entre 6 e 20 anos.

Isso quer dizer que, se um investigado for condenado por homicídio simples, ainda cabe cumprir pena em regime semiaberto, enquanto o condenado por feminicídio iniciará o cumprimento de pena no regime fechado. Outrossim, a pena aplicada também influencia nas próprias progressões de regime, sendo bem mais rápido o retorno à liberdade quanto menor for a pena inicial.

Diante desse cenário, é de extrema importância salientar que é necessário atentar aos sinais deixados pelo crime de feminicídio, para que se possa capitular a conduta da forma correta e, consequentemente, fazer justiça, bem como aumentar a sensação de justiça da população. É preciso que se difunda a noção de que a lei funciona, é rígida e deve ser respeitada.

O crime de feminicídio está diretamente relacionado a duas hipóteses: quando ocorre em um contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher e no contexto de menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Na primeira hipótese, entende-se como bem mais fácil de enxergar o contexto de violência doméstica e o crime de feminicídio como sendo o ápice dessa violência. Normalmente, costuma-se observar durante as investigações um histórico forte e ascendente de violência que a vítima já enfrentou.

Observa-se muitas vezes que a violência começa com ofensas verbais, ameaças, restrição da liberdade de ir e vir, de trabalhar, de estudar, com sentimentos nítidos de posse. Esse é o momento exato em que a vítima é aconselhada a denunciar, desde os primeiros sinais de conduta violenta ou abusiva.

Posteriormente, a violência progride para a violência psicológica, que tem características específicas. Nesse caso, a vítima muitas vezes se perde de si, deixa de ser quem é para ser aquilo que o agressor quer que ela seja. Nesse ponto, normalmente os sentimentos de medo, de incapacidade de reagir e de se libertar permeiam a vida da vítima.

A violência também pode progredir para a violência física, e, no contexto desta, também existe grau de gravidade. Empurrões, puxões de cabelo e outras condutas violentas que muitas vezes não deixam marcas aparentes podem configurar a contravenção penal de vias de fato. Outrossim, verificadas marcas no corpo da mulher decorrentes de agressão física, resta configurado o crime de lesão corporal.

Ressalta-se que nem sempre a linha ascendente de violência contra a mulher segue essa exata ordem. Porém, quando ocorre um feminicídio como arremate de uma trajetória pontuada por violência doméstica, são encontrados, durante a investigação, boletins de ocorrência feitos anteriormente sobre outras condutas violentas do investigado, ou diversas medidas protetivas que foram requeridas e pouco tempo depois retiradas devido ao ciclo de violência em que a mulher esteve inserida. Por isso, a importância da pesquisa durante a investigação do histórico da vítima para que se possa enquadrar, quando ocorre morte, como feminicídio.

A outra hipótese em que se pode considerar feminicídio é quando a morte ocorre em virtude de menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Essa hipótese vem demonstrar que feminicídio também pode ocorrer fora do contexto de violência doméstica simplesmente por  a vítima “ser mulher”.

O que seria esse “simplesmente por ser mulher” de que tanto se fala? Primeiramente, só o fato de ser mulher, infelizmente, traz consigo um fardo de ter que se comportar como a sociedade espera que a mulher se porte. Isso comporta diversos estereótipos e padrões de uma sociedade machista, que julga a mulher quando ela não se comporta conforme o esperado.

Em uma sociedade machista, o que se espera de uma mulher? Que sirva ao homem, que seja boa dona de casa, esposa e boa mãe. Espera-se que ela ganhe seu dinheiro, desde que não seja mais do que o homem, pois ainda é necessário reforçar a imagem do homem provedor. Espera-se que ela se vista de forma composta e que não exponha sua sexualidade. Pode dançar, mas jamais de forma considerada vulgar. A violência de gênero é um instrumento social de imposição à mulher de um papel social de submissão e obediência.

Diante de tal realidade, muitas mulheres têm sua vida ceifada por não cederem a uma cantada de cunho sexual masculino ou por se atraírem por pessoas do mesmo sexo. Podem ter o clitóris mutilado para não sentirem prazer sexual.

Não raras vezes, nas investigações com as quais nos deparamos, com o local de crime repleto de sinais evidentes de que houve um feminicídio, fica bem clara a importância da perícia. Já nos deparamos com cenários de verdadeiro crime de ódio, com cabelos cortados da vítima e espalhados pela parede, golpes de faca em locais que atingem a beleza e feminilidade da mulher como rosto, seios e genitália, objetos de estima pessoal quebrados ou deteriorados como bijuterias, maquiagens, roupas, bem como preservativo ao lado do corpo da vítima como indicativo de o agressor ter usado do corpo da mulher antes de matar.

Sendo assim, são exatamente esses detalhes e a interpretação da cena do crime e dos vestígios que ele deixa que nos levam a identificar o contexto de violência doméstica ou violência de gênero que permitem ao Presidente da investigação capitular um crime como feminicídio. É exatamente a interpretação dos sinais e a demonstração, na investigação, do contexto em que a vítima estava inserida, que são essenciais para que se capitule o crime da forma correta e que se aplique a lei.

Por fim, a impunidade nos casos de feminicídio reforça o mecanismo de controle dos homens sobre as mulheres. Daí a importância de uma investigação bem feita, que compreenda, de forma sensível e atenta, os sinais deixados pelo agressor. Isso pode fornecer elementos suficientes para o oferecimento da denúncia, o que possibilita uma futura condenação e auxilia, consequentemente, a minimizar e, quem sabe um dia, extinguir a violência de gênero e as desigualdades que tanto afetam as mulheres.

CARINA AMARAL DA LUZ - Delegada Titular da Delegacia de Feminicídios do Estado do Pará.

fontesegura.forumseguranca.org.br/ | EDIÇÃO N.223

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