O escritor Ziraldo morreu no sábado, 6/4, aos 91 anos. A informação confirmada pela família do desenhista foi que ele morreu enquanto dormia, no apartamento onde morava, no bairro da Lagoa, na zona sul do Rio de Janeiro, por volta das 15h. Ele tinha três filhos.
Aclamado pelo trabalho literário infantil, Ziraldo recebeu diferentes premiações, como o “Nobel” Internacional de Humor no 32º Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas e também o prêmio Merghantealler, da imprensa livre da América Latina, ambos em 1969. Levou ainda o Prêmio Jabuti de Literatura, em 1980, com O Menino Maluquinho, e novamente em 2012, com Os Meninos do Espaço.
Ziraldo Alves Pinto, nasceu em Caratinga, Minas Gerais, em 1932. Aos 7 anos de idade, em 1939, Ziraldo apresentou seu primeiro desenho no jornal Folha de Minas. Em 1949, muda-se para o Rio de Janeiro, onde fez carreira.
Apesar da formação em Direito, pela Universidade Federal de Minas Gerais, construiu uma carreira importante como desenhista, escritor, apresentador e jornalista. Na década de 1950, trabalhou em uma coluna de humor no jornal Folha da Manhã, atual Folha de São Paulo. Depois iria para a revista O Cruzeiro e para o Jornal do Brasil.
Na década de 1960, publicou a primeira revista em quadrinhos de sucesso, a Turma do Pererê, que seria cancelada pouco tempo depois do golpe militar de 1964. Voltaria ainda em edições pela Abril e Editora Primor nas décadas seguintes.
Política
Ziraldo se destacou por usar a arte como forma de resistência à ditadura militar. Ele fundou e dirigiu o famoso periódico O Pasquim, que fez oposição ao regime. O trabalho incomodaria os militares, a ponto de ele ter sido preso logo depois da promulgação do AI-5, documento pelo qual foi intensificada a censura e a repressão do governo aos opositores. Foi considerado um “elemento perigoso” pelo regime militar.
O desenhista continuaria atuante politicamente, sendo filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e depois ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Também declararia apoio a candidatos do Partido dos Trabalhadores (PT) em eleições presidenciais.
Sua mais conhecida criação, o Menino Maluquinho, nasceu nos anos 1980 e foi inspirado no filho do escritor. O personagem deu origem ao livro infantil campeão de vendas e ao filme de grande sucesso nos cinemas do país. O livro foi traduzido para o inglês, espanhol, basco, alemão e o italiano e teve adaptações para o cinema, teatro e televisão. Outros livros de destaque foram Flicts (1969) e O Bichinho da Maçã (1982).
Com tantos personagens marcantes de histórias infantis, Ziraldo parou de produzir textos e desenhos em setembro de 2018, quando sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). Seu estúdio, onde trabalhou durante 70 anos, instalado no bairro da Lagoa, zona sul do Rio, está sendo transformado no Instituto Ziraldo.
Na TV Brasil, os 26 episódios do programa Um Menino muito Maluquinho foram apresentados ao longo de 2006. O cartunista e escritor ainda apresentou o ABC do Ziraldo durante cinco temporadas. Foram 189 episódios onde o tema era sempre incentivar jovens e crianças ao hábito da leitura.
Uma mostra interativa sobre os desenhos de Ziraldo está atualmente em cartaz no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) do Rio de Janeiro. Com o nome “Mundo Zira – Ziraldo Interativo”, a exposição homenageia a trajetória do multiartista e tem previsão de encerramento no dia 13 de maio desse ano.
O menino maluquinho filme completo
"O Brasil perdeu um de seus maiores expoentes da cultura", diz Lula sobre Ziraldo
Autor da “Turma do Pererê” o do “Menino Maluquinho”, de permanente inquietação criativa, ele era um gênio com muitas facetas. Presidente destacou o compromisso do desenhista, que faleceu neste sábado, com "a defesa da imaginação, de um Brasil mais justo, com democracia e liberdade de expressão".
Miguel Paiva, Jaguar e Ziraldo
ZIRALDO SEMPRE
Publico aqui um texto que escrevi sobre o Ziraldo quando ele fez 90 anos. Ziraldo hoje, quando morreu, tinha 91, ou qualquer idade, na realidade
Quando eu trabalhava com o Ziraldo ele sempre dizia, “a vantagem que eu tenho sobre você é que eu já cheguei na idade que eu tenho e você não sabe se vai chegar”. Verdade. Mas fico muito feliz por ele chegar aos 90 anos neste dia 24 de outubro de 2022. Ziraldo foi uma espécie de pai afetivo e profissional que tive. Trabalhei com ele desde os 17 anos, aprendi muita coisa e ficamos amigos desde então. Lembro dele de várias maneiras.
Na política sempre foi de esquerda, é claro, mineiro e de esquerda. Seus ensinamentos políticos sempre foram aulas pra mim. Lembro quando o Lula venceu a primeira eleição e conversando ele me disse para explicar a enorme rejeição que o Lula tinha entre a burguesia carioca: “É claro, Miguel. Um presidente que foi torneiro mecânico eles odeiam”. Outra verdade e parece que o ódio de classe permanece.
Ziraldo é muito amoroso e generoso. Frequentei sua casa ainda com a Wilma, sua mulher, viva e funcionando como mãe que me dava conselhos e me alimentava. A mesa da varanda na praça do Lido estava sempre posta como uma boa casa mineira. Bolo de fubá, garrafa térmica com café, pão e queijo Minas. Nas noites mais loucas em que ficávamos acordados trabalhando até o galo cantar assaltávamos a mesa do café da manhã e não sobrava nada.
Ziraldo adora ajudar desenhistas novos. Não sei, sinceramente, onde ele viu talento em mim nas primeiras coisas que mostrei a ele. Sem falsa modéstia, eu desenhava mal, mas reconheço que ali tinha alguma coisa que podia crescer. Ziraldo via. Quando ele me mandou embora do estúdio onde trabalhava para ganhar a vida fiquei desconsolado, mas no dia seguinte estava pedindo emprego no Pasquim e justamente pra ele. Deu certo.
Casei, mudei, fui pra Milão e Ziraldo me visitou algumas vezes. Por indicação dele tivemos o mesmo agente, o saudoso Marcelo Ravoni, que foi outro pai pra mim. Nessa disputa de afeto paternal eu saí ganhando. Fomos juntos à antiga Iugoslávia e na Croácia ele me disse que a boate da cidade parecia as de Caratinga. E era verdade. Fomos à Toscana, ao Friuli, bebemos e comemos muito. Acabei voltando ao Brasil e continuamos amigos, eu em São Paulo e ele aqui no Rio. Juntos fizemos, depois do Pasquim, a revista Bundas, o Pasquim 21 além de trabalhar com ele na Última Hora e no velho e no novo Jornal do Brasil.
Sua produção interminável continua sendo um estímulo para qualquer artista. Seus arquivos, seus desenhos em papel Schoeller, suas charges surpreendentes e sua qualidade gráfica marcante são um tesouro a ser sempre consultado. Ziraldo foi reconhecido aqui no Brasil sobretudo nos anos onde se dedicou à literatura infantil e agora a Editora Melhoramentos presta uma homenagem aos seus 90 anos. Também foi admirado no exterior não só onde seus livros são editados, mas onde seu talento é reconhecido. Viva o Ziraldo. Que continue por mais bons anos iluminando essa profissão tão particular que escolheu e que eu herdei de bom grado. Você tem razão Ziraldo.
Essa certeza de chegar aos 90 você tem e eu não. Mas vou chegar lá, lembrando sempre de você.
Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia.