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POR TRÁS DAS CÂMERAS: GLÓRIA OU VEXAME?

A polícia civil deve investigar bem ou prender mais pessoas? As duas alternativas parecem diretamente associadas, mas, quando lidamos com a carência de efetivo e de condições estruturais, a instituição acaba por decidir em qual atuação pretende dispender mais esforços e cobrar seus subordinados por metas.

28/04/2024 às 12h52
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br/ | EDIÇÃO N.227
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POR TRÁS DAS CÂMERAS: GLÓRIA OU VEXAME?

Um grupo de policiais civis invade uma residência e os moradores se surpreendem. Enquanto uma policial feminina está com a arma apontada para a câmera, a imagem capturada é dramática e uma mulher grita que seu bebê foi acordado. Um dos policiais anuncia o motivo da intervenção: “Mandado de prisão contra Jennifer Nayara”. “Quem é Jennifer Nayara?”, a moradora pergunta, indignada, e uma sequência de desentendimentos se segue[1]. Tratava-se de um cumprimento de mandado de prisão, rotina para as polícias civis do país. Aquela não era, no entanto, a residência da pessoa procurada. O vídeo viralizou nas redes como sinônimo de despreparo das polícias, virou tema de comediantes e de uma enxurrada de comentários negativos.

Enquanto o vídeo pode ser observado sob uma perspectiva dos erros e acertos sobre uma abordagem policial de cumprimento de mandado de prisão, a sequência é sintoma de um outro fenômeno que atinge as polícias no Brasil, mais profundo e complexo do que a execução de procedimentos: a pressão por aumento de prisões que resultem em notícias na mídia.

Com a Lava Jato, uma oportunidade midiática e nova comunicação das polícias surgiram. Seguiram-se notícias sobre os diferentes nomes das operações, a quantidade de cumprimento de mandados, quantidades de prisões, de alvos, de apreensões de drogas. As megaoperações ganharam o destaque em um ritmo crescente até os dias de hoje.

Ocorre que a pressão nas delegacias por esse tipo de conteúdo midiático tende a colocar em risco justamente o bom cumprimento de procedimentos, tão necessário à segurança da população e dos próprios policiais. Antes do cumprimento de mandados, de prisão ou de busca e apreensão, deve ser feito um levantamento minucioso de informações. O procurado continua morando no mesmo local? Tem crianças e idosos no local? Quantas pessoas estão na casa? Tem animais de grande porte, como cachorros? O procurado tem acesso a arma de fogo? O procurado está respondendo por qual delito? É integrante de alguma facção? Em uma situação em que há a pressão para o maior número de cumprimentos de mandados em curto período, essa verificação pode restar prejudicada.

A polícia civil deve investigar bem ou prender mais pessoas? Em um primeiro momento as duas alternativas parecem diretamente associadas, mas, quando lidamos com a carência de efetivo e de condições estruturais, problemas que atingem quase todas as polícias do país, a instituição acaba por decidir em qual atuação pretende dispender mais esforços e cobrar seus subordinados por metas. Se a definição de prioridade institucional for o aumento da quantidade de prisões, com o intuito de aumentar o espaço nas mídias, a boa investigação pode sofrer prejuízos.

A pressão por prisões não pode ser o objetivo final – as metas devem estar relacionadas à qualidade. Estudos sobre as polícias no Brasil apontam que o lugar institucional das polícias judiciárias no país paira na ambiguidade entre os campos de segurança e do Judiciário. Esse lugar pode ser visto tanto como um problema quanto como um privilégio, já que muitas vezes distancia as polícias civis dos erros cometidos por outras polícias no Brasil. Se a prioridade das delegacias de polícia civil for o aumento das prisões, corremos o risco de ver mais vídeos de erros como esse, com perda progressiva de confiança da população.

[1] Disponível em: https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2024/04/12/policiais-arrombam-portao-e-invadem-casa-por-engano-durante-cumprimento-de-mandado-diz-familia-video.ghtml. Acesso em 15.04.2024.

CARLA CAMPOS AVANZI - Doutoranda em Sociologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e Criminologia pela Vrije Universiteit Brussel. Integrante do Laboratório de Estudos sobre a Governança da Segurança (LEGS/UEL) e do Crime & Society Research Group (CRiS). Agente de Polícia Judiciária na Polícia Civil do Estado do Paraná.

fontesegura.forumseguranca.org.br/ | EDIÇÃO N.227

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