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DE BUKELE A TARCÍSIO: OS POPULISMOS PENAL E POLICIAL COMO DIVIDENDOS ELEITORAIS
Por meio dos aparatos das forças de ordem e segurança, o presidente de El Salvador e, em algum grau, o governador de São Paulo vão firmando a marca linha dura em suas gestões a fim de anunciá-la nos mercados eleitorais.
28/04/2024 13h39 Atualizada há 7 meses
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br/ | EDIÇÃO N.227

Em fevereiro deste ano, Nayib Bukele foi reeleito presidente de El Salvador com 82,66% dos votos. No Brasil, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, teria, em Santos, uma aprovação de 72,0%. O que une esses atores, apesar das situações diferentes e distantes, é o tema da segurança. Em El Salvador, a Bukele é atribuído o feito de ter pacificado o país, visto que reduziu uma dais maiores taxa de homicídio do mundo para o patamar de 2,4 mortes por 100 mil habitantes [1].

Por outro lado, em São Paulo, a Tarcísio é conferido o mérito de estar endurecendo o combate ao crime organizado na Baixada Santista. Em El Salvador e São Paulo, a pauta da segurança não se resume à criminalidade. É uma trama político-eleitoral.

Em El Salvador, Bukele implantou um estado policial para levar à frente a estratégia de enfrentamento às facções. Para tanto, seu governo, com o estabelecimento de um regime de exceção, tem derrogado direitos individuais e realizado aprisionamento em massa de prováveis envolvidos em facções. Como símbolo da política repressiva de Bukele, destaca-se a megaprisão Centro de Confinamiento del Terrorismo (Cecot), com capacidade para 40.000 detentos. Com essas medidas, o governo de Bukele tem sido visto como modelo de enfrentamento à criminalidade. Nota-se que, numa entrevista concedida ao jornal El País, em 28 de setembro de 2023, o diretor da Polícia Nacional, Mauricio Arriaza Chicas, afirmava com altivez: “somos o país mais seguro das Américas, uma referência internacional” [2].

Já no estado de São Paulo, no Brasil, muito antes da era Tarcísio, resultados positivos nos indicadores de criminalidade estavam sendo verificados, sobremodo com reduções nas taxas de homicídio e de letalidade policial. Mesmo assim, sob a gestão de Tarcísio o tema segurança reassumiu posto proeminente e sob a lógica repressiva. Prova dessa linha foi a nomeação de Guilherme Derrite para o comando da secretaria de segurança pública, justamente um ex-integrante da polícia militar paulista conhecido por ter “matado muito ladrão” [3].

Assim, num contexto de tiro, porrada e bomba, executou-se a Operação Verão na região da Baixada Santista, a qual acumulou as mortes de três policiais e as de 56 pessoas da comunidade em situações de supostos confrontos. Questionado sobre a letalidade policial na referida operação, o secretário Derrite disse: “Olha, eu nem sabia que eram 56, eu não faço essa conta” [4].

Reação parecida com a de seu chefe, Tarcísio, que disse noutra ocasião não estar “nem aí” para as denúncias de abusos ocorridas na Operação Verão. [5]

As narrativas e táticas de Bukele e de Tarcísio na seara da segurança fazem parte do mesmo espectro, em termos de fundamentação ideológica e de estratégias de ação, apesar das diferenças entre eles e das dinâmicas da criminalidade dos territórios que estão governando. Em regra, eles erigem o problema de criminalidade à categoria de guerra e advogam poderes especiais às corporações para atacá-lo. Nessa batalha, direitos de pessoas intituladas criminosas podem ser relativizados, afinal são tratados como inimigos. Com essas medidas, Bukele lá e Tarcísio aqui, vão conduzindo a segurança sob a política do medo a fim de justificar suas ações autoritárias. Assim, a segurança deixa a arena das políticas públicas e se torna basicamente ação policial.

Portanto, discursos e ações de endurecimento à criminalidade de Bukele e de Tarcísio tendem a repercutir na dimensão eleitoral. Em El Salvador, hoje Bukele e seu partido são dominantes, com absoluta vantagem frente aos adversários da esquerda. Agora, em São Paulo, Tarcísio vem tendo popularidade pontual e seu interesse é aprovar aliados nas eleições municipais no estado de São Paulo, o que pode ser um teste para investidas dele em âmbito nacional. Com efeito, por meio dos aparatos das forças de ordem e segurança, Bukele, e, em algum grau, Tarcísio, vão firmando a marca linha dura em suas gestões a fim de anunciá-la nos mercados eleitorais.

Em geral, estratégias populistas de enfrentamento à criminalidade têm sido manejadas com fins eleitorais. Ora, diferentemente de outras áreas governamentais, como educação, saúde e economia, cujos resultados podem demorar ou são incertos, no tema da criminalidade, operações policialescas podem ser divulgadas como efetivas intervenções estatais. Com efeito, os dividendos políticos de ações na segurança tendem a ser distribuídos mais diretamente aos seus promotores do que os de outras áreas. Esse receituário não é novidade, mas vem realinhando atores do campo da direita extremista. É justamente nesse front político que Bukele e Tarcísio buscam se posicionar.

ALEXANDRE PEREIRA DA ROCHA - Doutor em Ciências Sociais. Policial Civil do Distrito Federal. Associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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