A manhã desse dia é para falar com os acordes e os poemas da tristeza com alegria. É para agradecer ao deus da música e aos desígnios do destino a presença nobre de unia vida eternizada pelo samba.
É para abrir os salões festivos de nossas casas e, com o pedido de licença devido, exercer o direito de sambar. É Cantar, Louvar, Contemplar. Reviver. Salvador é a cidade dos grandes poetas populares inclinados à canção. É a terra preta, de uma gente preta talentosa, iluminada pelo labor e pela inspiração. As águas da Baía de Todos-os-Santos molham o rosto ancestral de um poeta nascido entre nós e que nos levou para o mundo nos caminhos do seu talento e no ecoar da voz de cantores como Jamelão e Maria Bethãnia.
A 5 de agosto de 1924 nascia, em Salvador, Oscar da Penha, aquele que se tornaria o nosso Batatinha e que nesse mês faria 100 anos de existência. O homem negro e pobre, que começou a trabalhar como marceneiro desde os 10 anos, foi office boy do Diário de Notícias aos 18, e nesse mesmo jornal, trabalhou toda uma vida como tipógrafo.
Casou e teve nove filhos. Elegante, discreto, bonito como as noites estreladas, dedicado a escrever canções dedicadas ao nosso Carnaval. Canções carnavalescas banhadas de tristeza. Tristeza vivida em urna trajetória de muita luta, pouco reconhecimento, esquecimento em vida, batalhas contínuas contra a pobreza e o racismo, poucas oportunidades e, ainda assim: a beleza de uma arte incontornável.
Falar em Batatinha é a traçar na pele e na alma esses vemos: "Todo mundo vai ao circo, / menos eu, menos eu/ Como pagar ingresso, se eu não tenho nada,/ Fico de fora escutando a gargalhada", uma critica social potente que servia para embalar nossos corpos dançantes e gritar contra esse sistema de aporofobias e exclusões. Uma crítica ecoada nacionalmente pelas vozes de Maria Bethãnia (a grande divulgadora da obra de Batata) e de Nara Leão. Ah, Nara, outra grandiosa inesquecível!!! Batatinha e o grande expoente do samba feito na Bahia. O samba melodioso, inspirado no samba carioca, com letras bem feitas e de teor existencialista.
Navegar pela obra de Batatinha é mergulhar na poética da melancolia, nas feridas acesas do sentimento do mundo, da paixão não correspondida, do abandono social, da tristeza como razão do ser: "Se eu deixar de sofrer como é que vai ser para me acostumar". O ser de Batatinha repousado na voz do mestre Caetano, dando a tônica de que no fundo, bem no fundo, o carnaval é a festa da incontida tristeza sendo feita para combate-la, mas ela persiste na melodia do samba.
Palmas para Paquito e Jota Velloso que reluziram a obra do nosso centenário, produzindo o belíssimo Diplomacia, em 1997, lançado um ano após a morte de Batata, e que traz a participação de nomes estrelares como Maria Bethãnia, Caetano Veloso, Chico Buarque.
Palmas para Batatinha, a quem não podemos esquecer.
Marlon Marcos Poeta, Jornalista, antropólogo, professor da Unilab
Contato: ogunte21@gmail.com
Publicado no Jornal A Tarde, (Coluna do autor), edição de 03.08.2024.
MPB Especial com Batatinha
Programa em comemoração aos 90 anos do sambista baiano, exibido originalmente em 1974.