FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA
Na última década, milhares de crianças e adolescentes foram vítimas de homicídios. Foram privadas de um futuro promissor e de suas vidas escolares e profissionais. Os homicídios, no entanto, representam apenas uma parte do problema. A violência não letal, que inclui abusos psicológicos, negligência, violência física e sexual, também constitui uma significativa ameaça, muitas vezes ocorrendo nos próprios lares das vítimas. Este texto examina a extensão da violência letal e não letal contra crianças e adolescentes no Brasil, destacando as variações temporais e geográficas, além dos instrumentos e locais onde essas violências ocorrem. Ao analisar esses dados, busca-se compreender melhor a dinâmica dessas violências e fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas que protejam os jovens brasileiros e garantam um ambiente mais seguro para seu crescimento e desenvolvimento.
Violência letal
Entre 2012 e 2022, houve 2.153 homicídios de infantes (0 a 4 anos), 7.000 de crianças (5 a 14 anos) e 94.970 homicídios de adolescentes (15 a 19 anos). São milhares de crianças e adolescentes que não tiveram a chance de começar a construir um caminho profissional ou concluir – ou sequer iniciar – sua vida escolar.
No caso de vítimas de homicídio na primeira infância (0 a 4 anos), o agregado nacional da taxa de homicídios por 100 mil infantes (Tabela 4.6) indica, em 2022, estabilidade em relação ao período anterior, ao registrar o valor de 1,0 homicídio a cada 100 mil infantes. No entanto, a comparação entre 2012 e 2022 (assim como entre 2017 e 2022) revela redução na taxa de homicídios de 28,6%.
Em relação à taxa de homicídio contra crianças (5 a 14 anos), houve redução de 7,7% entre 2021 e 2022. Comparando com uma década atrás, a taxa de homicídios de crianças apresenta redução de 55,6%. Nessa métrica, apenas Maranhão, Piauí e Roraima registraram crescimento na taxa de homicídios contra crianças (38,5%, 112,5% e 80,0%, respectivamente). Por fim, os adolescentes (15 a 19 anos) são as vítimas mais frequentes de homicídio entre as faixas etárias analisadas. Os 5.220 adolescentes assassinados no Brasil em 2022 correspondem a uma taxa de 34,1 homicídios registrados para cada grupo de 100 mil adolescentes. Entre 2012 e 2022, 21 UFs obtiveram redução na taxa de homicídio de adolescentes. Considerando a variação entre 2017 e 2022, 24 UFs reduziram a violência letal contra adolescente. No entanto, essa onda de redução de letalidade parece estar recuando, uma vez que, entre 2021 e 2022, 18 UFs tiveram queda nessas taxas de homicídio.
Conhecida a dinâmica temporal dos homicídios contra infantes, crianças e adolescentes, o instrumento causador do óbito aparece como variável de interesse para elaboração de políticas públicas. De acordo com a Tabela 4.11, em todas as faixas etárias, arma de fogo apareceu como instrumento conhecido de maior frequência nos homicídios. Assim, 83,8% dos adolescentes (15 a 19 anos) e 70,2% das crianças (5 a 14 anos) foram vitimizados por arma de fogo. Entre as vítimas infantes (0 a 4 anos), o instrumento desconhecido apareceu como o de maior frequência (37,0%), sinalizando ausência de preenchimento dessa informação na declaração de óbito.
Violência não letal
Os homicídios não representam a totalidade das violências enfrentadas por crianças e adolescentes. Além de muitas vítimas fatais, essa faixa etária também sofre com violências não letais, como a psicológica. Portanto, é importante monitorar as violências não letais através de notificações hospitalares registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde (MS). O Sinan registra características de diversos tipos de violência. Nesta seção, apresentaremos quatro categorias: violência psicológica, negligência/abandono, violência física e violência sexual.
A Tabela 4.12 apresenta a distribuição de crianças e adolescentes vítimas por local de ocorrência das violências notificadas entre 2012 e 2022. Nos casos de infantes (0 a 4 anos) e crianças (5 a 14 anos), a residência aparece como local majoritário das ocorrências, registrando, respectivamente, 67,5% e 65,6% das notificações. A violência ocorrida em escolas é mais comum entre crianças (5,4%), o que é extremamente preocupante, tendo em vista os possíveis impactos no seu desenvolvimento educacional. Por fim, em proporção significativa das notificações, o local de ocorrência é pouco informativo – ignorado ou outro. Por exemplo, no caso de infantes, em 22% das notificações não é possível conhecer o local de ocorrência da violência, destacando o imperativo de aperfeiçoar a coleta e o detalhamento das informações. No caso de adolescentes, embora residência permaneça como o local de maior frequência (47,5%), violências em via pública representam 29,2% das notificações, sugerindo diferenciada dinâmica de violência com o passar de idade.
Dado que a residência é o local mais comum de ocorrência de violência contra crianças e adolescentes, é natural esperar a violência familiar como a de maior frequência. Isso é confirmado pelos dados da Tabela 4.13, que detalha a violência contra crianças e adolescentes por tipo de violência. Em todas as faixas etárias a violência doméstica é o tipo prevalente.
De acordo com o Gráfico 4.3, de modo contrário à trajetória de redução dos homicídios registrados, nas três faixas etárias, as notificações de violências não letais apresentam tendência de crescimento no decênio encerrado em 2022. Nas quatro categorias apresentadas – negligência, violência física, psicológica e sexual – houve aumento das notificações registradas. Entretanto, essa variação precisa ser vista com cuidado, pois parcela desse aumento pode estar atribuído à expansão na cobertura do Sinan.
No período entre 2012 e 2022 parece existir uma dinâmica comum aos tipos de violência entre as faixas etárias, qual seja, aumento das notificações até 2019, redução no primeiro ano da pandemia de Covid-19 e retomada de crescimento das notificações em 2021. No entanto, cada tipo de violência apresenta predominância relativa distinta entre as faixas etárias, sugerindo uma transição do tipo de violência prevalecente ao longo da vida. Nos onze anos analisados, infantes são as principais vítimas de negligência (61,7%), crianças são a maioria das vítimas de violência psicológica (53,5%) e sexual (65,1%) e adolescentes são as principais vítimas de violência física (59,3%).
Além da transição do tipo de violência entre faixas etárias, há diferenças em relação ao sexo da vítima. Entre 2012 e 2022, dentre as violências analisadas, mulheres são 60,1% das vítimas e, portanto, constituem a maioria em violência física (52,0%), psicológica (64,7%) e sexual (86,7%). Crianças e adolescentes do sexo masculino são as principais vítimas de negligência, totalizando 53,3%.
fontesegura.forumseguranca.org.br/ | EDIÇÃO N.237
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