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Precisamos falar sobre os dados de suicídios dos Policiais
A ausência de dados confiáveis sobre o problema pode mascará-lo e dificultar a elaboração de políticas de apoio mais eficazes.
21/09/2024 11h28
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br | Edição nº 247

Como já divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, temos em 2023 pela primeira vez mais casos de suicídios de policiais do que policiais mortos em serviço, e esses dados são encontrados em um país com grande ocorrência de eventos violentos. (FBSP, 2024)

Segundo Piovesan (2014), nas pesquisas sobre países mais violentos no mundo o Brasil frequentemente encontra-se entre os dez primeiros, com a taxa de homicídios cinco vezes mais alta que a média mundial. A América Latina concentraria a maior parte de crimes violentos no mundo e grande quantidade de confrontos policiais, apresentando os maiores índices de letalidade policial. Dez dos vinte países mais violentos do mundo localizam-se na América Latina.  (PIOVESAN, 2014).

Ainda hoje, afirma Piovesan (2014), os países que compõem a América Latina caracterizam-se por apresentarem grandes desigualdades sociais e econômicas, elevados graus de exclusão e de violência. Somando esses fatores, podemos observar democracias em fase de consolidação e países convivendo com o legado dos regimes autoritários ditatoriais: forte cultura de violência e impunidade, com a baixa aquisição dos direitos fundamentais e com a precária tradição de respeito aos direitos humanos.

Para explicar esse fenômeno, Moura[1] (2005) desenvolve o conceito de “novíssimas guerras” para explicar a aparente contradição encontrada no Rio de Janeiro.  Somam-se: o número de homicídios por habitantes, apreensão de armas de grande poder letal utilizadas pelos criminosos (fuzis e metralhadoras de longo alcance), armas estas também empregadas como meio de trabalho cotidiano nas forças policiais em meio urbano e nas comunidades do Rio de Janeiro.

Todos esses fatores impactam a atividade policial e trazem consequências para os profissionais de segurança pública.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho policial está entre as três profissões mais estressantes do mundo. Pertencem à natureza da profissão grande exposição a riscos (confrontos armados, acidentes, violência urbana, etc.) e a tomada de decisões rápidas com responsabilidades. Os policiais exercem carga de trabalho elevada (jornadas extensas, plantões noturnos, falta de descanso) e possuem imagem ambivalente junto à sociedade (herói ou algoz). Tudo isso pode acarretar alto nível de estresse e risco de traumas. Além dos fatores descritos, ainda encontramos salários baixos e condições de trabalho precárias.

Portal de Coleta de Dados sobre suicídio de forma nacional nos EUA

Embora o suicídio nas polícias não seja um fenômeno novo nos EUA, foi apenas nos últimos anos que grupos e organizações (entre outras, a Blue HELP, voltada para agentes da lei, criada em 2015) tentaram recolher e analisar dados sobre esse assunto. Os comandantes das unidades policiais querem saber mais sobre a prevalência do suicídio, superar as percepções negativas a respeito da procura de apoio emocional e melhorar a qualidade de vida de seus profissionais.

Desta forma, somente em 2020, após a publicação da Lei de Coleta de Dados sobre Suicídio para Aplicação da Lei (LESDCA), é que foi possível reunir e registrar esses dados. Tal sistema foi pensado para identificar padrões e dimensionar esse fenômeno. A Coleta de Dados sobre Suicídio para Aplicação da Lei (LESDC) passa a integrar a lista de publicações anuais do FBI, contendo orientações para as instituições de segurança pública. (Riley, 2022)

Para registrar essas informações, ainda segundo Riley (2022), o FBI criou um formulário eletrônico curto e fácil de usar que as agências podem acessar para fornecer as informações descritas no LESDCA. O formulário é dividido em seções para informações administrativas, pessoais, incidentes, circunstâncias e bem-estar. O remetente pode responder digitando frases curtas, selecionando respostas predefinidas, oferecidas em menus, e respostas de múltipla escolha. (Tradução e adaptação da autora)

A seção administrativa permite que os remetentes forneçam informações para identificar a instituição de origem, informações de contato e categoria de ocupação do indivíduo (instituição policial, correições, sistema jurídico ou telecomunicações.);

A categoria pessoal permite que o remetente insira informações sobre o indivíduo que tentou ou morreu por suicídio, como o número de anos de experiência policial, se ele estava empregado no momento ou anteriormente, qualquer experiência militar e estado civil. O relatório não incluirá nenhuma informação diretamente identificável de um agente da lei que cometa ou tente suicídio;

A categoria de incidente coleta detalhes, como data, local e hora da ocorrência. O formulário também torna possível informar se o indivíduo estava ou não de plantão, o método usado para tentar ou consumar o suicídio e se o indivíduo deixou explicação sobre o motivo para acabar ou tentar acabar com a própria vida;

A categoria circunstância é o campo em que os responsáveis pelo registro podem indicar o que o indivíduo pode estar passando antes do suicídio ou das tentativas de suicídio, como possíveis estresses no trabalho ou em casa, mudanças perceptíveis no comportamento ou humor, e se houve algum problema de desempenho no trabalho que teria levado a mudanças recentes, como um rebaixamento recente, sob investigação, ou um remanejamento;

O formulário também oferece a oportunidade para as agências policiais indicarem os tipos de atividades de bem-estar que estão disponíveis para seus funcionários. Isso inclui os tipos de treinamento oferecidos aos profissionais de segurança pública, se eles fornecem grupos de apoio de suporte de pares e a disponibilidade de recursos de saúde mental e orientação.

No Brasil, o FBSP e o Ministério da Justiça e Segurança Pública são as instituições responsáveis por reunir e disponibilizar as informações sobre suicídio de profissionais de segurança pública informadas pelas próprias instituições. A falta de padronização e de um sistema nacional, além da ausência de obrigatoriedade, gera divergências entre os números de tentativas e suicídios consumados. A ausência de dados confiáveis pode mascarar o problema e dificultar a elaboração de políticas de apoio mais eficazes. É preciso que o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) possa ter um método nesse tema tão sensível às instituições e caro aos profissionais de segurança pública.

Referências

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2024. Disponível em: https://publicacoes.forumseguranca.org.br/handle/123456789/253. Acesso em: 13 de setembro de 2024

MOURA, T. (2005). Novíssimas guerras, novíssimas pazes. Desafios conceptuais e políticos. Revista Crítica de Ciências Sociais, (71), 77-96.

PIOVESAN, F. (2014) Sistema Interamericano de Direitos Humanos: impacto transformador, diálogos jurisdicionais e os desafios da reforma. Revista Direitos Emergentes na Sociedade Global3(1), 76-101.

RILEY, M. (2022) FBI Leads effort to understand and prevent suicide among law enforcement officers. Police Chief 89, n 5 (May 2022): 44 -48.

[1]  Para Moura (2005) assistimos atualmente a um novo tipo de conflitualidade violenta, denominada pela autora de “novíssimas guerras”. Será definido por ter características, atores e estratégias específicas, que se manifestam em micro espaços urbanos de países que vivem oficialmente em paz. Um dos exemplos estudados pela autora deste novo tipo de conflitualidade é o Brasil e, em particular, a cidade do Rio de Janeiro: “O país não vive um conflito armado ou uma guerra considerada tradicional, mas apresenta índices de violência direta ou de mortalidade provocada por armas de fogo muitas vezes superiores a regiões que são devastadas por conflitos armados declarados”. (MOURA, 2005. p.71)

ROBERTA TORRES DOS SANTOS - Psicóloga da Policia Militar do Rio de Janeiro. Mestre em Ciências Policiais e Gestão da Segurança pelo ISCPSI/Portugal. Associada do FBSP.

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