A difusão das redes sociais tem causado uma revolução digital que afeta profundamente as relações sociais, políticas e econômicas. As formas de socialização mudaram radicalmente com o surgimento dos aplicativos de mensagens e de compartilhamento de conteúdo. As transações financeiras e o comércio passaram a acontecer fundamentalmente através da internet.
Essa revolução digital só foi possível por causa da popularização dos aparelhos celulares, especialmente dos smartphones, capazes de acessar as redes e de realizar operações financeiras. Segundo uma pesquisa do Instituto Datafolha, 85% da população adulta com 16 anos da idade ou mais do país possuem esses aparelhos, sendo que, entre aqueles que ganham mais de 10 salários-mínimos, esse percentual sobe para 97%.
O aparelho celular é largamente utilizado para realizar transações financeiras: 81% da população tem aplicativo de banco no seu aparelho, 61% fazem transações bancárias pela internet e 55% realizam compras pela internet. Os jovens com idade entre 16 e 24 anos formam o grupo que mais utiliza os smartphones para realizar transações (81%) e compras (78%) através da internet. Por outro lado, são poucas as pessoas com 60 anos ou mais que fazem transações financeiras (28%) ou compras na internet (22%).
A revolução digital também afetou as dinâmicas criminais. Por um lado, verificamos aumento nos crimes cibernéticos que acontecem no ambiente das redes sociais. Por outro, constatamos que o cometimento de crimes contra o patrimônio têm caído. Entre 2018 e 2023, os registros de estelionatos cresceram 360,5%, saltando de 426.779 para 1.965.353 ocorrências. Já o total de registros de roubos decresceu 42,2%, passando de 1.506.151 para 870.320.
Gráfico 1: Evolução dos roubos e estelionatos no Brasil (2018-2023)
Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2024.
Alguns aspectos podem explicar o aumento dos registros de crimes cibernéticos. A aprovação da lei nº 14.155, em 2021, que tipifica o crime de fraude eletrônica, permitiu a especificação dos registros, dando maior visibilidade a esses crimes. A lei trata dos casos cometidos com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.
A difusão das delegacias digitais também pode ter afetado os registro das crimes cibernéticos. Desde a década de 2000, verifica-se a tendência de as polícias civis disponibilizarem sites na internet para registro de ocorrências criminais. Inicialmente, alguns Estados permitiam apenas o registro de crimes com baixo potencial ofensivo. O advento da pandemia de Covid-19 acentuou essa tendência. Atualmente todos os Estados disponibilizam sites na internet para registro de diversos tipos de ocorrências criminais, incluindo fraudes virtuais, furtos e roubos de celulares.
A aprovação da lei de fraudes virtuais deu visibilidade ao fenômeno e a difusão das delegacias virtuais facilitou o registro, mas foi principalmente a popularização dos celulares e o aumento das transações financeiras via internet que impulsionaram os crimes cibernéticos.
De acordo com pesquisa feita pelo instituto Datafolha, em 2024, 26% da população brasileira com mais de 16 anos disse ter sido vítima de tentativa de golpe financeiro via aplicativos de mensagens ou ligações; 25% foi vítima de fraudes em compras por internet e 25% foi vítima de tentativa de golpe financeiro via transferências, PIX ou boletos. Ainda de acordo com o Datafolha, 9% dos entrevistados tiveram seu celular furtado ou roubado, 11% foram vítimas de golpes envolvendo PIX ou boletos falsos e 7% sofreram algum golpe com seu cartão de crédito.
Gráfico 2: Vitimização de crimes cibernéticos nos últimos 12 meses
Fonte: Pesquisa FBSP/Folha de São Paulo, Instituto Datafolha, 2024.
Os crimes cibernéticos acontecem basicamente de duas formas. Alguns crimes são praticados exclusivamente via internet, sem interação física envolvendo as vítimas e os criminosos. Os crimes são cometidos através do acessos aos dados bancários, ao cartão de crédito ou por meio de fraudes em sites de compras. Também são frequentes os estelionatos e as extorsões envolvendo PIX e boletos bancários.
A segunda forma envolve o furto e roubo de aparelhos celulares, o que implica interações face a face entre as vítimas e os criminosos. De acordo com o Datafolha, 40% das pessoas que sofreram tentativas de golpe financeiro via aplicativo de mensagens ou por ligação tiveram seu celular furtado ou roubado. Dentre as pessoas que foram vítimas de golpe financeiro via aplicativo de mensagens ou por ligação envolvendo transferências, PIX ou boletos falsos, 37% tiveram o celular furtado ou roubado.
Esses crimes não atingem os grupos sociais da mesma forma. Analisando o perfil das vítimas de furtos e roubos de celulares, dos golpes envolvendo PIX ou boleto bancário e das fraudes contra o cartão de crédito, verificou-se que os homens foram as vítimas mais frequentes. Nessas três modalidades criminais, os mais jovens, com idade entre 16 e 24 anos e as pessoas com 60 ou mais foram as vítimas menos frequentes.
Fundamentalmente, as pessoas pobres e negras são as maiores vítimas desses crimes. Dentre as pessoas que tiveram o celular furtado ou roubado, 49% tinham renda familiar até dois salários-mínimos. Do total de pessoas que foram vítimas de golpes envolvendo PIX ou boleto bancário, 42% possuíam renda de até dois salários-mínimos. Nos casos de fraudes contra o cartão de crédito, 45% das vítimas tinham renda familiar entre dois e cinco salários-mínimos.
Com relação à cor das vítimas, verificou-se que as pessoas pretas e pardas foram as principais vítimas dos furtos e roubos de celular (62%), golpes envolvendo PIX ou boleto bancário (64%) e fraudes contra o cartão de crédito (59%).
O prejuízo médio de quem sofreu alguma fraude contra o seu cartão de crédito foi de R$ 1.702. O prejuízo médio foi de R$ 1.549 para quem teve o celular furtado ou roubado e de R$ 1.470 para quem sofreu golpe envolvendo PIX ou boletos falsos. São valores significativos, ainda mais quando constatamos que a maior parte do conjunto de vítimas desses crimes é constituída por pessoas de baixa renda.
Estima-se que o prejuízo total ocasionado pelas fraudes de cartão de crédito foi de R$ 29,9 bilhões, pelos roubos de celular foi de R$ 22,3 bilhões e pelos golpes com PIX foi de R$ 16,4 bilhões. Ao todo, as três modalidades criminais causaram estimadamente R$ 68,7 bilhões de prejuízos.
ARTHUR TRINDADE M. COSTA - Professor de sociologia da Universidade de Brasília e membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
fontesegura.forumseguranca.org.br | (Edição nº 245)
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