A revisão da aposentadoria militar entrou no “cardápio” estudado pela equipe econômica para cortar ou reduzir gastos e melhorar o desempenho das contas públicas. Essa lista, que tem uma série de opções, ainda está passando pela filtragem dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e será levada para análise do presidente Lula (PT) quando estiver mais amadurecida. Parte importante desse pacote poderá ser revelada até o fim de agosto, quando será apresentada a peça orçamentária de 2025.
Tebet lembrou que, na sessão que apreciou as contas do presidente da República relativas ao exercício financeiro de 2023, o decano do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Walton Alencar Rodrigues, chamou atenção para esse item.
“Ele falou o seguinte: inclusive, há que se pensar, na previdência pública, o tamanho que é o custo em relação à contribuição dos servidores militares, hoje chamados só de militares. Então, são questões como essas que precisam ser colocadas no todo”, disse Tebet a jornalistas na quarta-feira (13/6), após reunião com Haddad na qual trataram do assunto.
Os militares que estão na reserva ou reformados são hoje o grupo com o maior déficit anual por beneficiário (ou per capita), sendo 16 vezes maior do que o déficit do setor privado — aqueles que contribuem com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No setor privado, o déficit per capita é de R$ 9,4 mil; entre servidores públicos civis ele é de R$ 69 mil e entre os militares, R$ 159 mil.
Tebet vem frisando que há várias “cartas na manga”, algumas já aprovadas, mas que as medidas sob a ótica da receita começam a se exaurir. Outra opção seria aumento da carga tributária, o que é rechaçado.
“Nós temos um dever de casa agora sob o lado das despesas. Se os planos A, B, C e D já estão se exaurindo para não aumentar a carga tributária pela Receita, sob a ótica das despesas, nós temos planos A, B, C, D, E, que estão sendo formulados pela equipe do Ministério da Fazenda com o Ministério do Planejamento”, continuou a ministra.
Eventuais mudanças na remuneração de militares inativos precisam ser feitas no bojo da lei que trata do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas (SPSMFA). Esse regime conta com regras de inatividade próprias, oriundas de uma concepção administrativa de aposentadoria, financiada pela União, em decorrência de seu estatuto jurídico e de regime específico de pensões militares.
Há quem diga, inclusive, que a expressão “aposentadoria militar” é imprecisa.
O que pode ser revisto?
Entre os trechos que podem ser revistos, está a remuneração de militares da reserva, os quais têm integralidade e paridade com os da ativa. Em alguns casos, ela pode corresponder ao do grau hierárquico imediato ao de atividade. Além disso, as idades máximas para a passagem para a reserva variam de 50 a 70 anos, dependendo do posto ou graduação, sendo que, nos regimes previdenciários, a idade mínima é de 65 anos.
O militar que ingressa na reserva também pode receber ajuda de custo correspondente a oito vezes a remuneração, calculada com base no soldo do último posto.
Além dos inativos, há avaliação também sobre os pensionistas. Exemplo emblemático é a pensão vitalícia para filhas solteiras, privilégio específico do sistema militar. Essa pensão é criticada também por muitas vezes burlar a lei, com casos de filhas de militares que não se casam no papel para ter direito ao benefício.
A pensão vitalícia para filhas solteiras foi extinta para os militares que ingressaram na carreira a partir de 2001. No entanto, as projeções indicam que, até 2060, o governo e a sociedade continuarão a arcar com os custos dessa regalia.
Outro item que pode ser atacado é o pagamento de pensões decorrentes do instituto da “morte ficta”, quando o militar comete um crime comum ou de grave infração disciplinar, perde o posto e a patente e é desligado, ainda em vida, das Forças Armadas, mas mantém o pagamento de pensão aos seus beneficiários.
O TCU vê como esse instituto como “premiação por má conduta” e diz que ele não encontra paralelo nos casos de demissão de empregados e servidores faltosos dos regimes de previdência.
Na avalição da equipe econômica, o enfrentar tema exigirá “coragem” e apoio massivo das outras instituições, em especial do Legislativo.
Déficit elevado
Na quarta-feira (12/6), ao analisar as contas do primeiro ano do governo Lula, o TCU frisou que nenhum dos sistemas previdenciários tem sido capaz de cobrir os respectivos benefícios, mas desponta o Sistema de Proteção dos Militares. Segundo o relatório do ministro Vital do Rêgo, esse sistema caracteriza-se por uma baixa geração de receitas, decorrente do modelo legal adotado.
Em 2023, o valor da receita do SPSMFA foi de R$ 9,1 bilhões, enquanto o da despesa foi de R$ 58,8 bilhões, resultando em déficit de R$ 49,7 bilhões. “Destaca-se a reduzida capacidade interna de cobertura do sistema de proteção social dos militares: apenas 15,4% das despesas foram custeadas por contribuições de militares”, diz o relatório.
Para fins de comparação, no caso do Regime Próprio dos Servidores Civis (RPPS), dos servidores públicos federais, a relação de cobertura foi de 41,7%. Esse item foi pontuado no relatório do ministro-relator.
Para o decano da Corte de Contas, ministro Walton Alencar Rodrigues, que apresentou voto em separado, o resultado do déficit da Previdência militar “acende a luz vermelha”. Ele ainda classificou a manutenção das regras do sistema militar como “privilégios”.
“Imprescindível para o país a reflexão e a avaliação sérias sobre a necessidade de implementar mudanças no SPSMFA, com o objetivo de torná-lo consentâneo com o contexto nacional, no qual a manutenção de privilégios, em relação aos demais trabalhadores, às custas da sociedade, é cada vez menos aceitável, diante da difícil situação fiscal do país e dos naturais anseios sociais pela moralidade e isonomia”, concluiu Rodrigues.
Foi o TCU que pressionou para que os militares abrissem os dados de seu sistema de proteção social, o que foi feito apenas em 2020. Alegando que a reserva e a reforma não constituíam benefício previdenciário, as Forças Armadas se recusavam a calcular o custo futuro desses pagamentos, o que vinha sendo exigido pela Corte de Contas diante do valor significativo envolvido.
Antes do fim do cabo de guerra em torno da abertura dos dados, o Ministério da Defesa registrava apenas o passivo atuarial referente às pensões já concedidas, não havendo cálculo do custo fiscal dos benefícios a militares da reserva e da reforma.
Ideia tem apoio do PT, mas não da oposição
Apesar de ainda embrionária, a ideia da revisão das aposentadorias de militares conta com a simpatia de setores mais à esquerda do atual governo, bem como de correntes do PT das quais fazem parte quadros como a atual presidente da legenda, Gleisi Hoffmann. Há algumas semanas, esse grupo se colocou radicalmente contrário à desvinculação de benefícios do salário mínimo, citado pela ministra Simone Tebet.
Outro item do “cardápio” é a mudança nos pisos constitucionais da saúde e educação. Em publicação nas redes sociais na quinta-feira (13/6), Gleisi reclamou da defesa enfática e isolada da agenda de corte de gastos. “Nenhuma palavra também sobre os juros escorchantes que travam o crescimento e, portanto, a arrecadação de impostos. É só cortar, cortar, cortar”, escreveu ela.
Entre setores liberais, também há apoio a uma mudança no regime previdenciário militar, por considerar que os integrantes das Forças Armadas foram os que preservaram as maiores vantagens nos últimos anos.
A oposição mais ideológica, por outro lado, apresenta resistência à proposta. O governo Jair Bolsonaro (PL), que tinha militares em cargos de primeiro escalão, conseguiu blindá-los da Reforma da Previdência, em 2019.
Na época, militares conseguiram convencer a classe política de que seu sistema de proteção deveria seguir com regras mais frouxas, em decorrência da possibilidade de convocação para o serviço militar — que não é, porém, restrita aos militares.
Os militares tiveram, por exemplo, uma regra de transição dentro da reforma bem mais suave do que os servidores civis ou trabalhadores que contribuem ao INSS, com pedágio de 17% sobre o tempo que falta para a reserva. Para os demais, esse adicional ficou entre 50% e 100%.
Além disso, o tempo de serviço para inatividade foi aumentado de 30 para 35 anos e os pensionistas passaram a ter de contribuir para o sistema, algo que já se observava para inativos e pensionistas do regime dos servidores públicos civis. A alíquota de contribuição para pensão passou de 7,5% para 10,5%.
Enquanto a reforma que atingiu o INSS e o regime dos servidores civis garantiu economia de cerca de R$ 800 bilhões em uma década, o efeito líquido do projeto dos militares (considerando as medidas de elevação das receitas) foi de apenas 1,3% disso, ou R$ 10,45 bilhões.