Documento poético descreveu furto, mas foi desconsiderado por não seguir normas técnicas da Polícia Civil.
Um fato inusitado chamou a atenção na Delegacia Seccional de Presidente Prudente, São Paulo, na tarde de 25 de fevereiro. Um Policial Civil registrou um boletim de ocorrência em forma de poesia, descrevendo um furto a uma residência no bairro Jardim Everest.
A informação foi divulgada pelo portal UOL. O delegado Eduardo Iasco Pereira, chefe da equipe de plantão, desconsiderou o documento e, três dias depois, ordenou que um novo boletim fosse registrado de acordo com as normas da Polícia Civil.
A vítima, um morador da Rua Barros Silva, relatou que um ladrão invadiu sua residência durante a madrugada, levando uma lavadora de alta pressão, uma tampa de tanque de combustível, 20 litros de gasolina e outros 20 litros de etanol.
O policial Alan Douglas Silva foi o responsável pela versão original do boletim, escrita em tom poético. Ele começou a narrar o furto de forma lírica, destacando no segundo parágrafo a falta de equipamentos de segurança no local. No terceiro parágrafo, a poesia descrevia o erro cometido pelo ladrão na cena do crime e a ausência de testemunhas.
O texto terminava com críticas à insegurança e um apelo por justiça.
Confira o boletim poético:
||| “Na mansidão do silêncio noturno, permeada pela penumbra que abraça os segredos da calada madrugada, o vilão de nossa trama, qual sombra furtiva, penetrou na propriedade da respeitável vítima. Neste ato de profanação, destemido e sorrateiro, desfez a barreira da intimidade alheia e arrebatou consigo os objetos que figuram na relação dos despojos.
À propriedade da vítima coube servir de palco para a execução deste sórdido enredo. Na ausência de sentinelas visuais, as câmeras de monitoramento permaneceram omissas, incapazes de registrar os passos furtivos do agente do mal. Deixou sua marca indelével como um sinal no trilho do rastejar do agressor, tal o rastro de uma serpente que insinua sua presença.
Ao sabor do destino, este registro serve como crônica dos eventos que se desenrolam na quietude da noite, evocando uma afronta à segurança, e trazendo à tona a necessidade imperiosa de restabelecer a paz usurpada.
E assim, como pluma ao vento, se finda o relato, aguardando a justiça como derradeira sentença, na esperança de que a luz da verdade dissipe as trevas que encobrem este capítulo indesejado da existência da vítima.” |||
Três dias depois, a segunda versão do boletim foi redigida pelo investigador Cesar Alberto Pereira Pinto, a pedido do delegado, em um formato mais direto e conciso. Esse novo documento, com apenas quatro linhas, relata os objetos furtados e a ausência de câmeras de segurança ou testemunhas no local.
O caso do boletim de ocorrência em forma de poesia revela uma veia criativa presente até mesmo em uma profissão marcada pelo estresse e pela tensão constantes, como a de policial. Em meio à rotina árdua e às dificuldades enfrentadas diariamente, o policial Alan Douglas Silva encontrou uma maneira singular de expressar sua percepção sobre o crime, mesclando sensibilidade e lirismo com a narrativa dos fatos. Essa atitude evidencia que, por trás da rigidez e da seriedade exigidas pela função, muitos agentes de segurança possuem talentos e formas alternativas de lidar com o impacto emocional de sua atuação.
A poesia, nesse contexto, surge como uma válvula de escape, um meio de transformar a realidade crua e muitas vezes cruel do cotidiano policial em algo mais leve, com um toque de humanidade. Embora o documento poético tenha sido substituído por uma versão técnica, ele nos lembra que o estresse e a pressão da profissão não eliminam a capacidade criativa desses profissionais.
Pelo contrário, alguns encontram na arte uma forma de manter a mente sã e dar novos significados às suas experiências, mesmo diante de uma rotina tão desafiadora.