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UM PESO, DUAS MEDIDAS

Conceito amplo de flagrante no Código Penal abre brecha para a discricionariedade (e abuso) policial, segundo especialistas no assunto.

14/10/2024 às 15h04 Atualizada em 14/10/2024 às 15h35
Por: Carlos Nascimento Fonte: conjur.com.br
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UM PESO, DUAS MEDIDAS

O artigo 302 do Código Penal considera flagrante a situação em que o indivíduo está praticando o crime ou em que acabou de cometê-lo — esse é um mecanismo jurídico desenhado para permitir a prisão imediata, com o objetivo de evitar a perpetuação de injustiças ou a fuga do agressor.

À primeira vista, a regra pode parecer clara, mas a expressão “acabar de cometer” é considerada muito subjetiva, o que abre brecha para a discricionariedade (e abuso) policial, segundo especialistas no assunto ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Na primeira quinzena deste mês, o caso de um casal que sofreu homofobia em uma padaria em São Paulo ganhou repercussão na imprensa. A Polícia Militar foi acionada e ouviu os envolvidos no local. Apesar disso, a agressora não foi levada dali para a delegacia, o que gerou críticas, principalmente por parte das vítimas.

“Eu não entendi o motivo de ela não ser presa, inclusive questionei os policiais sobre irmos todos para a delegacia, e ele me disse que não poderia aplicar o flagrante porque não viu a agressão, apesar de eu estar ali na frente dele com o nariz sangrando”, afirmou Rafael Gonzaga, que foi agredido.

As agressões — xingamentos e ataques físicos — foram testemunhadas e inclusive parcialmente filmadas. Sendo assim, elas não configuraram flagrante por crime de homofobia?

O especialista em Direito Criminal Michel Kusminsky Herscu, do escritório Toron Advogados, acredita que sim.

“Como o termo é subjetivo, está sujeito à interpretação — geralmente, da Polícia Militar —, a qual, como vimos nesse caso, foi aplicada de forma extremamente restrita.”

Herscu aponta que, em outras situações, pelo contrário, é comum o “acabar de cometer” ser interpretado de maneira exageradamente ampla pelos agentes.

“Vemos cotidianamente casos de roubo e furto nos quais os supostos autores são presos alegadamente em flagrante horas depois, em locais diversos dos quais aconteceram os crimes e muitas vezes sem nada ilícito com eles.”

O advogado criminalista Welington Arruda vai além e enfatiza que a abertura para interpretação na lei é algo comum, parte da própria natureza do texto legal.

“Isso é de certa forma intencional, pois a lei deve abranger uma série de contingências e circunstâncias inimagináveis em sua redação. No entanto, essa flexibilidade interpretativa não deve servir como escudo para a inação no caso de crimes evidentes, como os de natureza homofóbica.”

As interpretações mais elásticas do que configura flagrante podem afetar o volume de casos que chegam ao Poder Judiciário. Em São Paulo, 96.335 prisões em flagrante foram registradas no ano passado, segundo dados do Tribunal de Justiça paulista (TJ-SP), um aumento de 25% em relação aos 76.904 de 2022.

Critérios para prisão

Para o caso concreto, o pesquisador e advogado Fernando Augusto Fernandes diferencia a criminalização primária (o ato de sancionar uma lei penal que incrimina ou permite a punição de indivíduos relacionados a um crime) da secundária, que corresponde à ação punitiva exercida sobre pessoas.

“A criminalização secundária é a que acontece no sistema de Justiça, que é repressivo, que faz com que haja um tratamento diferenciado do que a lei diz. Assim, as autoridades policiais e judiciárias podem dar novos contornos descriminalizatórios ou criminalizatórios à situação.”

Diante disso, prossegue Fernandes, é necessário entender que os policiais militares e civis não têm autonomia para decidir se a situação é flagrante ou não.

Há, no entanto, elementos na cena de um crime que servem como critérios para que os agentes deem ordem de prisão e levem o suspeito para a delegacia. “Se o ato foi cometido, testemunhado e filmado e aí os policiais chegam, está em flagrante de delito.”

Para Bruno Borragine, sócio do Bialski Advogados, uma boa maneira de ponderar a validade do flagrante delito é adequar a análise à dinâmica dos fatos concretos

"Há certeza visual da ocorrência do delito? E/ou existem evidências, através de testemunhas, perseguições ou outras provas de que o delito acabou de ocorrer e sua autoria é reconhecida? Essa é a melhor maneira de interpretar o que é e o que não é flagrante legal.”

Welington Arruda também defende a adoção de critérios ou diretrizes específicos que poderiam ser adotados para uma avaliação mais objetiva, para reduzir ambiguidades na determinação de quando um ato pode ser considerado como tendo “acabado de ser cometido”.

Reflexões sobre flagrante, tipificação e realidade criminal

Lendo a matéria acima e inspirado no comentário de um leitor, resolvi fazer a reflexão abaixo:

Competência na Decisão de Flagrante
A discussão sobre a competência dos policiais militares (PMs) em julgar se um fato é flagrante ou não levanta uma reflexão importante. Ao conduzirem uma ocorrência, cabe a eles decidir se há necessidade de levar o caso à Delegacia de Polícia Judiciária para formalização. Essa prática, embora comum, suscita debates sobre os limites das atribuições entre as diferentes forças de segurança pública.

A Relação Entre Delegados, Juízes e Ministério Público
Na experiência do autor do comentário, especialmente durante seu trabalho na Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes (DTE) nas décadas de 80 e 90, os flagrantes eram frequentemente encaminhados para a Vara de Tóxicos. Entretanto, o juiz nem sempre mantinha a tipificação indicada pelo delegado, alterando-a para uso ou porte de drogas, o que resultava na liberação do detido para tratamento.

Vale lembrar que o delegado não é obrigado a definir a tipificação exata do crime no inquérito ou flagrante; essa tarefa pode ser concluída no relatório final com base na investigação feita pelos investigadores. A competência para denunciar e definir a tipificação formal cabe ao Ministério Público (MP), mas o juiz tem autoridade para revisar essa definição, o que o autor define como "intriga de compadre".

A Evolução da Tipificação e o Sistema Penal
O relato também reflete a evolução das leis e práticas penais ao longo dos anos. No início da carreira do autor, os artigos 12 e 16 eram utilizados para diferenciar usuários de traficantes. "Aviões" eram pequenos distribuidores e, hoje, "mulas" assumem esse papel. Entretanto, o autor critica as audiências de custódia, que frequentemente liberam essas mulas devido à superlotação dos presídios.

Uma Crítica ao Cenário Atual e à Sociedade
Por fim, o texto traz uma visão crítica sobre a política e a sociedade contemporâneas. O autor ironiza como algumas figuras envolvidas com drogas acabam celebradas, mencionando um "cheirador de cocaína" que, segundo ele, poderia ter sido presidente da República, promovido por um "verme de três letras". Ele também aponta que na Bahia há ruas, escolas, hospitais e cidades homenageando essa sigla, o que sugere uma crítica à romantização ou normalização de certos comportamentos. A figura de "Lulu do Pó" é evocada como um símbolo das comemorações de traficantes, evidenciando a insatisfação com a forma como essas questões são tratadas.

O texto revela como a relação entre PMs, delegados, juízes e o Ministério Público é permeada por divergências e dificuldades, especialmente no que se refere à tipificação e tratamento dos crimes. Além disso, a crítica às audiências de custódia e ao sistema penal mostra um sentimento de frustração com a sensação de impunidade. As observações do autor apontam para um debate mais profundo sobre o papel das instituições e a necessidade de rever práticas jurídicas e sociais. Ao final, a reflexão é um alerta para a forma como a sociedade lida com questões criminais e políticas, destacando que o tratamento dessas questões pode ter impacto direto na segurança e na justiça do país.

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