Gostaria de abordar a necessidade urgente de restabelecermos um salário digno para todos os policiais. E, quando falo de policiais, me refiro a investigadores e escrivães de polícia. Infelizmente – ou felizmente, dependendo do ponto de vista – os delegados já se encontram bem contemplados com salários altos. Eles se aposentam com valores que variam entre 28, 30, 32 e até 40 mil reais, enquanto nós, os demais, temos que nos contentar com vencimentos bem mais baixos.
Toda discussão sobre remuneração passa por diversos fatores. Um exemplo é a polêmica sobre o uso de calça cáqui, botas ou fardamento policial civil, que muitos consideram irrelevante. No entanto, essa questão de vestimenta também é um reflexo da valorização da nossa profissão. Acredito que não há problema em um policial estar devidamente uniformizado na unidade. Na época em que eu estava na ativa, muitos colegas evitavam participar de diligências e assumiam o cargo apenas para garantir o salário.
Mas é um contrassenso que o policial de investigação use farda. É preciso refletir sobre isso. Quando vemos um policial civil fardado na rua e, ao mesmo tempo, um delegado em entrevista pública vestindo paletó e gravata, parece que ele está ali como superior, e o policial é reduzido a um servo uniformizado. Essa imagem reforça uma hierarquia que desvaloriza nossa classe.
Isso se torna ainda mais evidente quando vemos delegadas impecáveis, com procedimentos estéticos e cabelo arrumado, enquanto os policiais estão fardados ao lado, quase como empregados. É uma repetição de padrões históricos, como no período da escravidão, quando empregadas domésticas usavam uniformes para trabalhar nas casas dos mais abastados. Parece que essa lógica se perpetua, e alguns acham isso normal.
Essa aceitação indiscriminada de tudo é o que contribui para nossos baixos salários. Precisamos compreender as razões culturais que nos levaram a essa situação e parar de culpar uns aos outros – seja aposentados, seja a nova geração que ingressou recentemente. Essas divisões internas não nos levam a lugar algum.
Compartilhei essa reflexão recentemente com um magistrado durante uma audiência. No Judiciário, apesar das diferenças pessoais e comportamentais, como a orientação sexual ou uso de drogas, ninguém denigre o colega. Lá, independentemente do que acontece na vida pessoal de cada um, eles mantêm a valorização e o respeito mútuo – e, por isso, são bem remunerados.
Na nossa instituição, infelizmente, temos o hábito de depreciar nossos próprios colegas. Isso impede que nos valorizemos como profissionais. Temos muitos investigadores com mestrado e doutorado, mas eles não são tratados como doutores pelos colegas. Ao contrário, são ridicularizados com expressões como “tirado a doutor”. Enquanto isso, alguns delegados, que talvez tenham tido comportamentos questionáveis durante a faculdade, são chamados de “vossa excelência” ou “doutor” assim que assumem o cargo.
O respeito é a base para conquistarmos um salário digno. Precisamos aprender a nos respeitar internamente, pois só assim seremos valorizados externamente. Quando alcançarmos esse respeito mútuo, conseguiremos conquistar uma remuneração justa.
Desculpem o desabafo.
Bel Luiz Carlos Ferreira de Souza - Brasileiro, baiano, casado, 61 anos, servidor público aposentado pelo estado da Bahia, atualmente reside no estado do Rio Grande do Sul, com formação técnica em redator auxiliar, acadêmico em História, Direito, pós-graduado em Ciências Criminais, política e estratégia e mestrando em políticas públicas.
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