O substitutivo do Deputado federal João Campos (Republicanos-GO) ao Projeto de Lei 8.045/2010, que institui o novo Código de Processo Penal (CPP), fragiliza direitos e garantias dos cidadãos e praticamente extingue a perícia criminal brasileira, carreira de Estado essencial para a produção de provas e para a promoção da Justiça - seja apontando culpados ou provando a inocência.
Os riscos oferecidos pela proposta de reforma do CPP apresentada são diversos, sobretudo ao direito à prova, à ampla defesa e ao contraditório. Isso porque o relatório, entre outros pontos, retira da atual lei em vigor a imprescindibilidade da prova pericial nos crimes que deixam vestígios (que gera nulidades processuais por ausência de perícia), a autonomia funcional dos peritos oficiais de natureza criminal, o rigor científico que se exige para esse trabalho e a garantia de que o laudo seja juntado ao processo penal.
Outra ameaça é a flexibilização da cadeia de custódia, que compreende o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica dos vestígios coletados a fim de rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. O texto sugerido pelo relator fragmenta esse processo e permite que ele seja definido por outros profissionais que não os peritos oficiais, além de suprimir os processos relativos ao processamento e ao descarte dos vestígios, o que pode levar à perda de elementos probatórios.
Na lista de riscos está, ainda, a precarização do instituto da perícia ad hoc, que é o emprego de especialistas de fora do corpo de perícia oficial quando há ausência desses profissionais. O relatório não apenas perde a oportunidade de regulamentar esse procedimento, mas, ao revés, cria mais uma hipótese: a de que em perícias mais "simples" (critério abstrato e subjetivo) não seja mais necessário um profissional de nível superior, bastando haver "experiência" na área do exame. Trata-se de uma grave ameaça à garantia da produção isenta, imparcial e equidistante da prova pericial e do rigor científico dela exigido, visto que se permite a qualquer momento nomear um profissional mais conveniente para uma das partes ou para investigadores.
O relatório apresentado à comissão especial que discute o tema, ao fragilizar a busca da verdade por meios científicos, atribuição dos peritos oficiais de natureza criminal, retira a necessidade de se apresentar nos autos o conteúdo probatório produzido pela perícia oficial e, dessa maneira, impede que as partes tenham real conhecimento dos fatos que lhes poderão ser imputados e promovam sua defesa. Há, portanto, um claro e evidente enfraquecimento do princípio da ampla defesa e do contraditório.
É necessário enfatizar que a essência do trabalho pericial é o de auxiliar a Justiça e não as partes diretamente, não se subordinando aos investigadores e, portanto, não estando sujeitos a linhas investigatórias pré-determinadas.
É por essa razão que a legislação vigente atribui aos peritos oficiais a devida autonomia técnica, científica e funcional. No entanto, a proposta apresentada foi cirúrgica em retirar justamente a autonomia funcional dos peritos, o que, caso seja efetivado, permitirá que se implemente eventual situação de subordinação entre peritos e condutores da investigação. Essa situação é inaceitável em um estado democrático, uma vez que desestabiliza a posição da prova pericial enquanto instrumento probatório objetivo, que introjeta racionalidade e cientificidade no processo penal.
A construção de um novo Código de Processo Penal moderno, mais eficiente e justo não pode prescindir do uso da ciência como ferramenta de prova destinada à elucidação de crimes e à preservação das garantias individuais e direitos fundamentais dos cidadãos, previstos na Constituição Federal.
O texto apresentado trilha um caminho obscuro em que também se perde grande oportunidade de modernizar efetivamente a persecução penal. Em vez disso, em pleno século 21, flerta com a insegurança jurídica e com os riscos de amplificar a impunidade e promover ainda mais injustiças, principalmente aos menos favorecidos.
Marcos Camargo
Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF).