Longe de estabelecer um debate sério, consciente, desvinculado de corporativismos, ideologias ou siglas partidárias sobre o tema, deve-se considerar que o assunto é de interesse comum para toda sociedade, exigindo do debatedor um mínimo de compreensão, sustentado pelos quatros tipos de conhecimento: Científico, Filosófico, Religioso e Empírico (senso comum). Para construção de um conceito objetivo com atuação e abrangência social, evitam-se teorias fora de contexto, haja vista as expostas nos recentes discursos envolvendo candidatos que pleitearam vagas as prefeituras. Com isso, necessita-se da implantação de uma segurança pública contemporânea, sintonizada e coerente no atendimento das demandas sociais, quanto aos seus anseios e necessidades.
O que nos parece inicialmente é que estamos muito distantes de possuirmos um conceito de segurança pública aliado com seus objetivos e finalidades. Ao iniciar pelo próprio texto da carta magna, em seu artigo 144, onde consta: “A segurança pública, dever do ESTADO, direito e responsabilidade de todos...” percebe-se que não há clareza e definição objetiva sobre a matéria. Deste modo, questiona-se: O que é Segurança Pública? Qual seu conceito e objetivo? Qual sua finalidade? Com a falta de conceituação sobre o tema, fica uma lacuna no entendimento e interpretação. Esse espaço passa a ser ocupado pelo discurso politiqueiro, em uma clara indução de interpretação, conforme as conveniências dos gestores governamentais. Permitam-me fazer uma provocação sobre o tema.
A segurança pública, a luz da constituição, é uma matéria que diz respeito à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e aos Territórios. A redação do caput do artigo 144 da C. F., quando coloca que é dever do “Estado”, complementado pelo § 7º (parágrafo) do artigo citado, “lei disciplinará, a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades”, não se concretizou desde a promulgação da constituição de 1988, o que desencadeou verdadeiros arranjos sobre a matéria na redação da carta magna, ocasionando um vilipendio ao texto constitucional. Isso foi sustentado por discursos politiqueiros e por omissão do congresso nacional, proporcionado pela falha legislativa na falta de regulação para situação real, o que exige, por conseguinte, de disciplina normativa.
Portanto, ao colocar no texto constitucional o dever do “Estado”, o legislador determina a responsabilidade administrativa da matéria, sem destacar, descartar ou mesmo determinar algum ente em particular. O texto constitucional em sua estrutura redacional deixa claro quando a referência de norma constitucional se refere ao “Estado” ou União, diferente das referências específicas dos entes federados no compartilhamento de dever, sendo individualmente citados: União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, quando lhes imputa obrigação constitucional. Com tudo, alguns equívocos se sustentam alicerçados pela redação dada ao §6º (parágrafo) do mesmo artigo, em que a norma constitucional deixa a gestão das polícias a cargo dos Governadores, sem, com isso, se desvincular do controle sobre as ações das agências locais, deixando claro sua participação e responsabilidade no processo.
Os textos advindos desde o período do Brasil Colônia, e mantido na república, são todos desprovidos de referências a segurança pública. Este assunto sempre foi tratado como “Segurança Nacional”, inclusive no último período constitucional de 1967, quando foi promulgado o Decreto lei Nº 314 de 13 de março de 1967, que trouxe, por exemplo, definições dos crimes contra a ordem nacional, a ordem política e social e previu, em seu artigo 17, um Regulamento Disciplinar para os policiais militares, semelhante ao do exército.
A segurança pública sempre foi, e é politicamente instrumento de controle social. Na contemporaneidade, é tratada como Ordem Pública, em uma camuflagem para substituir os termos, ordem política e social, conforme as constituições brasileiras anteriores, o que torna a questão inegociável e indiscutível, ao seguir um processo de “copiar e colar” nos textos constitucionais. Em uma pressão sofrida de instituições ligadas ao recente período militar para manutenção de seu status quo, evitando-se criar um impasse no andamento dos trabalhos da constituinte, o legislador mantém o artigo com pequenas mudanças na redação e com a essência semântica do texto de 1967. Daí, cria-se o equívoco interpretativo no texto constitucional de 1988, oportunizando-se a falácia politiqueira sustentada pelas manobras jurídicas e pela dialética de dúvida interpretativa, em relação à intenção do legislador, quando desconsidera a clareza da carta constitucional.
Mantém-se, por outro lado, o controle das forças de segurança com o fortalecimento das instituições policiais sobre a sociedade, sob a égide do §6 (Parágrafo) do artigo em epígrafe, mesmo com pequenas mudanças dadas à redação da constituição cidadã de 1988, de forma categórica e afirmativa, em uma clara presença dos resquícios da militarização.
A segurança pública no Brasil nunca foi matéria de debate constitucional, legislativo ou jurídico, a fim de dissipar os grandes equívocos interpretativos, entre eles: ser associada e confundida ao aparato policial, se tornando assunto exclusivo da polícia; a retórica de a responsabilização ficar reduzida aos Estados e Governadores; a Segurança Pública como instrumento social aplicada e executada apenas com armamento bélico e aparato policial; falta de integração entre os entes públicos administrativos; sobreposição das ações governamentais; falta de competência política dos gestores; desvio de finalidade da atividade fim; recursos desviados e desperdiçados na atividade meio; visão da atividade de segurança como, custo ou gasto, assim como a Educação e a Saúde, e não como investimento; falta de capacidade política e intelectual de criar uma rede sustentável, articulada entre as pastas da: Educação, Saúde e Segurança, Judiciário, M. Público, S. Prisional; capacidade de escuta da população; capacidade de rever suas ações, procedimentos, execuções e planejamentos; regulamentação de capturas telemáticas como instrumento legal para autuação em Flagrante e Prova Material no cometimento de crimes, considerando o registro da ação criminosa inconteste, quanto aos elementos comprobatórios de autoria, estando o crime em andamento de forma ininterrupta, o que justifica a implantação de câmeras em locais públicos; intensificação do trabalho de prevenção como instrumento de antecipação a criminalidade; impedimento de ocupação de cargos extremamente sensíveis para a administração pública, por pessoas não concursadas. Entre outras aberrações para a gestão pública, sem deixar de pontuar que o Estado é o maior fomentador de violência.
Portanto, a Segurança Pública tem a finalidade de gestão, que é responsável pela elaboração de políticas públicas de segurança do Estado, enquanto a Polícia é a instituição de execução dessas políticas, planejando e executando as ações para um resultado satisfatório. A Segurança Pública é órgão político do Estado. A Polícia, instituição de execução das políticas relacionadas à segurança pública.
*Marcos Antônio de Souza - Investigador de Polícia Civil/BA.
- Mestre em Segurança Pública, Justiça e Cidadania – UFBA
- Especializações: Metodologia do Ensino Superior - FESP/UPE
- Especialização em Prevenção da Violência, Promoção da Segurança e da Cidadania – UFBA
- Especialização em Planejamento Estratégico – ADESG
- Especialização em Inteligência Estratégica – ADESG
- Gestão da Investigação Policial, do Programa de Desenvolvimento Permanente para Gestores da P. Civil e da P. Técnica – Fundação Luís Eduardo Magalhães/Academia de Polícia Civil.
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