Nos últimos seis anos perdemos, ao menos, 1.155 vidas devido ao adoecimento mental dos profissionais de segurança pública: 821 profissionais ativos, 226 inativos e 108 vítimas de homicídios ou feminicídios que precederam o suicídio; esse número supera o efetivo total das polícias civis de quatro estados.
Dados publicados recentemente pelo Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES) revelam números preocupantes sobre a saúde mental dos profissionais de segurança pública brasileiros. A sexta edição do Boletim de Notificação de Mortes Violentas Intencionais Autoprovocadas e Tentativas de Suicídio de Profissionais de Segurança Pública[1] identificou 821 agentes ativos que tiraram a própria vida entre 2018 e 2023. No mesmo período, pelo menos 226 profissionais inativos também faleceram, um número que provavelmente está subestimado, considerando que poucas instituições monitoram e produzem dados sobre seus agentes após a aposentadoria.
Algumas das mortes envolveram ainda a vitimização de outras pessoas, os chamados homicídios ou feminicídios seguidos de suicídio, resultando em 108 vítimas mortas antes do suicídio pelos agentes. Essas vítimas eram majoritariamente mulheres que possuíam vínculo íntimo atual ou anterior com as vítimas dos suicídios.
Ao considerar tanto os suicídios quanto os homicídios ou feminicídios que os precederam, nos últimos seis anos perdemos, ao menos, 1.155 vidas devido ao adoecimento mental dos profissionais de segurança pública: 821 profissionais ativos, 226 inativos e 108 vítimas de homicídios ou feminicídios que precederam o suicídio. Para se ter uma ideia, esse número é superior ao efetivo total das polícias civis de quatro estados brasileiros[2], o que equivale a afirmar que perdemos o efetivo completo de uma força policial para o adoecimento mental dos profissionais.
Analisamos também os aspectos sociodemográficos e profissionais das vítimas, como sexo, idade, situação funcional (ativo/inativo) e tempo de serviço dos profissionais ativos, o instrumento utilizado nas mortes, o local dos fatos e características das vítimas de feminicídios e homicídios que precederam os suicídios. Entre as vítimas ainda em atividade, 86% eram do sexo masculino, 27% tinham entre 30 e 39 anos e 21% possuíam entre 11 e 20 anos de serviço na ocasião da morte. Também nos chamou a atenção a ampla utilização de armas de fogo nesses casos: em 2023, 84% das mortes em que essa informação estava disponível foram cometidas com armas de fogo.
Se os números são chocantes, o problema se agrava ao considerarmos o impacto do suicídio sobre os sobreviventes enlutados, sejam familiares, amigos ou colegas de trabalho. Em média, quando uma pessoa morre por suicídio, entre cinco a dez pessoas são afetadas (SOARES et al, 2007) [3]. Como é retornar ao trabalho após perder um colega para o suicídio? Como lidar com essa perda em um ambiente que não oferece um “espaço seguro” para falar sobre emoções e ressignificar o sentido da vida?
Pensando nesses impactos e na assistência à saúde mental ofertada aos profissionais nas instituições de segurança pública, apresentamos ainda dados sobre a disponibilidade de psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais nas instituições. Embora a promoção da saúde mental e da qualidade de vida dos agentes não se restrinja à presença desses profissionais, acreditamos que eles desempenham um papel fundamental nesse processo.
Encontramos grandes disparidades no efetivo desses profissionais a depender da instituição e da unidade federativa. Identificamos ainda o que já vinha sendo apontado em nossas pesquisas anteriores que é a carência de profissionais médicos psiquiatras. Diversas instituições não possuem tal profissional ou possuem poucos profissionais para atender um grande efetivo. A presença de psicólogos e assistentes sociais é mais comum, embora por vezes a quantidade desses profissionais também seja insuficiente para atender toda a demanda necessária.
Dados são essenciais para a formulação de políticas públicas eficazes. Se hoje já temos alguma figura sobre o suicídio policial no Brasil, ela ainda está incompleta. Embora tenhamos notado um aprimoramento nas informações reportadas em comparação com anos anteriores, ainda existem desafios a serem superados para entendermos a extensão das mortes violentas autoprovocadas nas instituições de segurança pública brasileiras. Muitas instituições ainda não coletam ou coletam de forma incompleta dados sobre as mortes de seus agentes, e o desafio é ainda maior no caso de profissionais inativos. É preciso conhecer para prevenir, e no Brasil seguimos caminhando nessa jornada.
[1] INSTITUTO DE PESQUISA, PREVENÇÃO E ESTUDOS EM SUICÍDIO. Boletim IPPES 2024: notificações de mortes violentas intencionais autoprovocadas e tentativas de suicídio entre profissionais de segurança pública no Brasil. Rio de Janeiro, 2024. DOI: 10.6084/m9.figshare.27048499. Disponível em: https://ippesbrasil.com.br/laboratorio-de-estudos/publicacoes/
[2] Acre, Amapá, Alagoas e Roraima de acordo com a pesquisa Raio-x das instituições de segurança pública brasileiras (2024). [3]Soares, Gláucio; Miranda, Dayse; Borges, Doriam (2006) As Vítimas Ocultas da Violência na Cidade do Rio de Janeiro.
FERNANDA NOVAES CRUZ - Socióloga, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP e do Instituto de Pesquisa Prevenção em Estudos em Suicídio.
DAYSE MIRANDA - Socióloga, doutora em Ciência Política pela USP e presidente do Instituto de Pesquisa Prevenção em Estudos em Suicídio.
fontesegura.forumseguranca.org.br/ | EDIÇÃO Nº. 250.
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