Os processos de paz usualmente permitem pensar em cenários nos quais as tensões políticas, militares e sociais tendem a se tornar menos intensas. No caso sul-americano, e especialmente no colombiano, esse pressuposto pode adquirir contornos peculiares. Tal singularidade diz respeito a efeitos “colaterais” que vêm na esteira de processos que indicariam o declínio das tensões. Interessa especificamente discutir o processo de paz colombiano, mais precisamente o projeto de Paz Total que se inicia em 2022 e o atual cenário tanto na produção e plantio da folha de coca, como nos índices de violência, mensurados ora de acordo com área de plantio e produtividade, e em outra medida, a partir das taxas de homicídios.
Uma das pressuposições que se propõe discutir é que não há necessariamente uma correlação direta entre produção e/ou existência de trânsito de ilícitos e altas taxas de violência, mas que a violência possui maior correlação com a instabilidade do controle sobre o fluxo de mercadorias em determinado território.
A produção de folha de coca vem aumentando significativamente na Colômbia nos últimos anos. Segundo dados do Sistema Integrado de Monitoramento de Cultivos Ilícitos (SIMCI), no ano de 2023 foram cultivados 253 mil hectares de folhas de coca. Para efeito de comparação, no ano de 2002 a área de plantio estava ao redor de 140 mil hectares. Houve aumento em torno de 80% dá área de cultivo. No mesmo relatório há outro dado importante, que diz respeito não apenas aos dados aferidos, mas também aos potenciais. Nessa direção, a estimativa é de um aumento potencial de 53% na produção de cocaína pura entre os anos de 2022 e 2023.
No que diz respeito às taxas de homicídios segundo o Instituto Nacional de Medicina Legal da Colômbia, os homicídios aumentaram em torno de 5,2% entre os anos de 2022 e 2023. Uma das causas apontadas pelo relatório do United Nations on Drugs and Crime (UNODC) está no fato de que as áreas de maior concentração da produção de plantio de coca se encontram nos departamentos de Norte Santander, na fronteira com Venezuela, e ao sul, nos departamentos de Nariño e Putumayo, áreas que já eram controladas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
Diante desse cenário, a questão que poderia surgir seria pensar qual o impacto desses dados para a fronteira amazônica entre Colômbia e Brasil, posto que a produção de folha de coca se concentra majoritariamente na região do Pacífico. A partir do relatório da UNODC e dos informes de inteligência do Exército colombiano, o trânsito pela rota amazônica da cocaína produzida segue por barco entre as cidades de Miraflores e Mitu para então seguir por avião rumo a Manaus. Entre as organizações presentes nessa região, a que detém o controle pelo lado brasileiro é o Primeiro Comando da Capital (PCC). No lado colombiano, há um controle exercido por atores locais, mas que se vinculam às FARC para obter acesso à cocaína.
A violência na região da tríplice fronteira (Brasil, Peru e Colômbia), decorrente da disputa pelo controle do território e pelo fluxo de mercadorias, tem deixado sua marca desde 2023, quando 24 pessoas foram assassinadas ou feridas num único final de semana em Leticia (Colômbia), cidade que faz fronteira seca com Tabatinga, no estado brasileiro do Amazonas.
O caso que se propõe para reflexão está centrado na discussão em torno da gestão violenta dos territórios com objetivo de controlar os fluxos de mercadorias, especialmente as ilícitas. As agendas de segurança pública e de combate ao narcotráfico devem ter em mente que a simples existência de um mercado ilícito não implica altas taxas de violência, mas que a presença competitiva de atores criminais em busca do controle do território, sim.
A expansão do mercado produtivo de insumos, sejam eles na forma de folha, pasta ou cocaína refinada, implica de maneira óbvia considerar que a demanda é crescente, o que leva a considerar que as disputas pelo controle do território tendem a aumentar até que se encontre um instável ponto de equilíbrio.
MARCIAL A. GARCIA SUAREZ - Professor no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, coordenador do Grupo de Análise em Política Internacional e sênior fellow do Maria Sibylla Merian Centre for Conviviality and Inequality in Latin America.
fontesegura.forumseguranca.org.br/ | EDIÇÃO Nº. 255.
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