O assassinato de Vinicius Gritzbach em um dos aeroportos mais importantes da América Latina chamou a atenção pela ousadia dos criminosos. O enredo da história revela que o crime organizado está utilizando meios cada vez mais sofisticados para lavar dinheiro, fazendo com que a fronteira entre a economia formal e a economia do crime esteja cada vez mais tênue; que há uma infiltração do crime organizado nas instituições de Estado e que a força do crime organizado que ousa assassinar em um dos aeroportos mais movimentados do mundo é muito grande.
É preciso destacar que o poderio do PCC está relacionado ao fato de ele dominar rotas importantes do tráfico internacional de drogas, conseguindo auferir lucros estratosféricos e, com isso, tendo um relevante poder econômico que faz com que consiga se expandir cada vez mais. A facção saiu de São Paulo e espalhou-se pelo Brasil e fora dele. Hoje está presente em países latino-americanos, cria parcerias com máfias e organizações criminosas na África e na Europa e há suspeitas de que consegue vender drogas até mesmo para a Ásia. Dentro do Brasil, o PCC possui influência relevante na vida das pessoas, regulando o crime e a vida em muitos territórios. As últimas eleições deixaram clara a sua crescente infiltração na política. Diante deste caso emblemático e deste problemático contexto, a questão que fica é: como podemos controlar o crime organizado no Brasil?
Ao mesmo tempo em que o crime organizado assume dimensões internacionais, o seu enfretamento é realizado por uma série de instituições que possuem atuação localizada e compartimentalizada. Na prática, isso significa que a investigação das facções criminosas é realizada de forma fragmentada, o que gera uma séria de ineficiências no processo. Por exemplo, a Polícia Federal e diferentes Polícias Civis estaduais podem estar investigando o mesmo alvo sem saber. Além disso, dentro das próprias instituições há dificuldade para se compartilhar informações e realizar ações em conjunto. A consequência disso é que existe muita informação sendo produzida a respeito de facções criminosas que não são nem organizadas nem integradas, o que dificulta a investigação, tornando complicado saber os detalhes da atuação das facções. Hoje a articulação de diferentes agências que combatem o crime organizado depende principalmente das relações informais e da boa vontade de agentes individuais. Para controlar o crime organizado, é fundamental que o voluntarismo personalíssimo vire política pública.
Para resolver tal problema precisamos de uma estrutura nos estados que gere o compartilhamento de informações a respeito do crime organizado e ações conjuntas. Esta estrutura deve ter a presença das duas polícias, das secretarias de administração penitenciária e dos Ministérios Públicos compartilhando todas as informações e gerando ações. O Governo Federal precisa realizar uma estrutura semelhante, que conte com a Polícia Federal, Receita Federal, Polícia Rodoviária Federal, Ministério Público Federal e Forças Armadas no que diz respeito às fronteiras. Esta estrutura federal precisa coordenar as estaduais. É preciso, ainda, articular essa estrutura com os países da América do Sul para que ocorra uma troca de informações de maneira mais célere e profunda. Se por um lado possuímos a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO) e hoje ela já apresenta resultados importantes, por outro ainda há muita resistência e dificuldade dos atores que compõem a força integrada. Ou seja, é preciso expandir e dar relevância para a FICCO.
Para se conseguir uma integração verdadeira das instituições que lidam com o crime organizado, é fundamental deixar a ideologia política e a preocupação com a próxima eleição de lado e construir uma política de Estado que enfrente o crime organizado. Além disso, é urgente uma depuração interna dos órgãos que lidam com o crime organizado enfrentando a corrupção. É preciso criar mecanismos que deixem clara a incompatibilidade entre a renda declarada e a vida de agentes públicos e criar sistemas de governança que favoreçam corregedorias atuantes e não apenas reativas.
O caso italiano mostra que é preciso também criar legislações que facilitem a rastreabilidade do dinheiro das facções, fazer com que os bens dos criminosos sejam rapidamente confiscados, e que as testemunhas sejam verdadeiramente protegidas. Criar varas criminais dedicadas ao crime organizado também é algo relevante. Por fim, é preciso organizar e ordenar o espaço urbano, melhorando as condições de vida de comunidades que estão vulneráveis ao crime organizado, afinal o crime cresce na ausência do Estado. Controlar o crime organizado requer uma mudança na maneira como estamos trabalhando hoje e que, infelizmente, não está funcionando.
RAFAEL ALCADIPANI - Professor Titular da Fundação Getulio Vargas – Escola de Administração de Empresas de São Paulo e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
IVANA DAVID - Desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo.
fontesegura.forumseguranca.org.br/ | EDIÇÃO Nº. 256.
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