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Segurança Pública deveria ser tratada com seriedade

Raramente é possível identificar alguma política de segurança pública e mesmo alguma manifestação política realmente inspirada em pesquisas sérias da área. É mais fácil seguir o senso comum e repetir bobagens.

Carlos Nascimento
Por: Carlos Nascimento Fonte: Rafson Ximenes
26/11/2024 às 13h47
Segurança Pública deveria ser tratada com seriedade

Um ônibus foi incendiado no Bairro da Paz. A população local está há alguns dias sem transporte coletivo. Fatos reais e impactantes como esse tem o poder de reforçar o sentimento de insegurança que encontra bases no dia a dia, embora seja amplamente potencializado por discursos sensacionalistas. Mas, o fato é que enquanto for considerado razoável ter medo de estar em qualquer lugar, teremos um grave problema.

Há várias razões estruturais para que haja mais insegurança no Brasil que em outros países. Causas históricas, como o prolongado período de escravidão e a ausência de reforma agrária; causas sociais, como a desigualdade e o déficit entre as expectativas e as possibilidades de aquisição de bens materiais e imateriais; causas culturais, como o machismo, o racismo, a homofobia, o culto à violência e o consumismo arraigados que tornam vidas e corpos descartáveis, autorizando os ataques contra eles.

Talvez, contudo, o motivo maior seja a dificuldade de se desvencilhar dos discursos fáceis, rasteiros e falsos, quando o tema é debatido. Raramente é possível identificar alguma política de segurança pública e mesmo alguma manifestação política realmente inspirada em pesquisas sérias da área. É mais fácil seguir o senso comum e repetir bobagens.

O padrão é se apresentar como uma pessoa valente, disposta a ser dura, inflexível (violenta) contra a criminalidade. Anuncia-se uma luta contra pessoas más, diferentes de nós. Cria-se expressões como “mundo do crime”, “mundo das drogas”, como se denunciássemos um povo estrangeiro que nos invadiu. Por fim, basta dizer que falta alguém macho o suficiente para enfrentar os monstros.

Governos de direita e de esquerda repetem os mesmos discursos e apresentam as mesmas soluções desde que o mundo é mundo. Desafio quem consiga demonstrar com dados que um proponha leis mais brandas ou mais rigorosas que o outro quando está no poder. A cegueira em matéria de segurança pública não tem partido. Todos têm agido de forma igual, inclusive no oportunismo para criticar os adversários ou propor leis inócuas, à custa da vida de pessoas pobres.

A história do nosso direito penal é a história do aumento de penas, da criação de regimes mais gravosos e da rotulação de mais crimes como hediondos. Nosso processo penal é um dos menos garantistas da América do Sul. Sabe quando uma dessas práticas conseguiu reduzir a criminalidade no Brasil? Nunca. Engana-se a população propondo novos crimes, penas mais altas e processos penais em que, cada vez mais, o acusado seja punido antes mesmo de poder se defender.

Um exemplo de bode expiatório são as audiências de custódia, instituto que impõe apenas que alguém preso antes do julgamento seja apresentado pessoalmente a um juiz, para que ele avalie se a prisão foi feita de forma legal, se aquela pessoa deve permanecer presa antes do fim do processo e se há sinais de tortura. Mente-se que “o problema da segurança é que as audiências de custódia soltam muita gente acusada de crimes gravíssimos”, “criminosos frequentemente são soltos e presos novamente no dia seguinte”. Discurso tão fácil, quanto comprovadamente falso.

A Defensoria Pública da Bahia acabou de publicar uma extensa pesquisa, que analisou 36.680 audiências de custódia por 08 anos. Em cada 10 casos, somente 6 pessoas são soltas. Se a regra em qualquer país civilizado é o acusado ser presumido inocente e poder se defender em liberdade, estamos no limite mínimo. Em 2023, apenas 4% dos flagrantes foram de alguém que já havia sido preso no mesmo ano. Delitos mais chocantes como crimes sexuais, homicídios e latrocínios não chegam a 2% das audiências de custódia e raramente deixam de ter as prisões provisórias mantidas. Nem 1/5 das prisões se referem a crimes com uso de arma de fogo.

A pesquisa ainda aponta pelo menos uma provável causa para a sensação de insegurança mais fácil de enfrentar do que aquelas estruturais elencadas no início do texto: Menos de 10% das prisões foi efetuada pela Polícia Civil. Isso significa que temos investigado, prevenido e planejado pouco. Como em qualquer atividade, ao agir desse modo, a chance de erros é maior.

Será que alguém está interessado em ler as pesquisas? O que dá mais publicidade, melhorar a capacidade de desvendar e produzir provas adequadas ou simplesmente propor uma lei prometendo penas exacerbadas? As leis penais populistas e os discursos falaciosos que prometem soluções mágicas não contribuem em nada para melhorar a segurança. Só atrapalham, porque cegam e impedem a busca por saídas efetivas. Todo mundo direciona esforços para lutar contra as sombras e esquece o trabalho concreto.

Líderes do campo progressista e conservador travam uma irresponsável disputa sobre quem consegue se vender como mais capaz de tomar medidas que todos os especialistas sabem que não funcionam e de criar bodes expiatórios. Pior, contaminam quem deveria ser técnico e exercer o controle. Muitas pessoas tem tido as vidas destruídas por serem vítimas de crimes, vítimas de condenações injustas, vítimas de penas desproporcionais, vítimas de antecipações de culpa e vítimas de execuções por causa dessa atitude leviana. Precisávamos de um pacto de honestidade. A Segurança Pública deveria ser tratada com mais seriedade.

Rafson Ximenes é Defensor Público

(*) Publicado no Correio da Bahia, em 21.10.2024

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