Há mais de 20 anos, escolhi trilhar o caminho dessa nobre e desafiadora missão de ser delegada de polícia. São duas décadas lidando com crimes que vão do mais singelo furto de galinha ao mais complexo tráfico de drogas, passando por investigações que envolvem facínoras, figurões e, claro, aquele vizinho fofoqueiro que acha que seu muro está um centímetro invadido.
Mas duas décadas na polícia também me tornaram uma cronista. Afinal, como não transformar em texto as histórias (e ironias) que vivo todos os dias? E hoje, no Dia do Delegado de Polícia, aproveito a licença poética para compartilhar algumas reflexões – com humor, pitadas de crítica e um carinho imenso por esta profissão que tanto amo.
*Investigando o Investigável
*Ser delegada é assumir o compromisso de investigar a autoria e a materialidade de todo e qualquer crime. Fácil na teoria, claro. Mas a prática… ah, a prática! Em um dia, você está desvendando um roubo à mão armada; no outro, investigando quem riscou o carro da vizinha na festa junina da pracinha. E o melhor? Ambos são tratados com a mesma seriedade – pelo menos no boletim de ocorrência.
Alguns crimes são naturalmente mais cobrados pela sociedade. Crimes contra o patrimônio, por exemplo, geram comoção instantânea – porque, sejamos honestos, mexer no bolso alheio é pisar no calo mais sensível. Já o tráfico de drogas é aquele tema que vira manchete, palestra, e todo mundo tem uma opinião. Mas, e aqui entra a crítica, por que a sociedade não exige o mesmo fervor pelas investigações sobre crimes que envolvem minorias?
*Minorias Não São Menores
*Ah, a palavra "minoria". Sempre gera polêmica. Minorias não são menores em número, mas sim em acesso a direitos e representação. Mulheres, idosos, crianças, negros, pessoas LGBTQIA+ – são populações historicamente invisibilizadas que, ainda hoje, muitos prefeririam "esquecer" ou tratar com a famosa vista grossa.
Mas, queridos leitores, lei é lei. E aqui, a velha máxima kantiana do imperativo categórico cai como uma luva: se é crime para eles, é crime para mim, para você e para o vizinho que riscou o carro da pracinha. O tratamento igualitário é o que nos diferencia de um faroeste desgovernado – e é justamente isso que faz da nossa profissão algo tão desafiador quanto gratificante.
*Humor na Delegacia
*Entre uma operação e outra, sempre há espaço para o humor. Afinal, rir é uma estratégia de sobrevivência. Tem o suspeito que jura inocência com a mão no bolso cheio de provas; o boletim com uma narrativa tão criativa que deveria ganhar prêmios literários; e, claro, os colegas de profissão que enfrentam tudo isso com a mesma serenidade de quem resolve quebra-cabeças de 500 mil peças sem tampa da caixa.
São esses momentos que tornam o dia a dia mais leve, mesmo nos contextos mais tensos. Porque na polícia, onde há responsabilidade, também há humanidade.
*Celebrar e Refletir
*Hoje, celebramos o Dia do Delegado de Polícia. Um dia para homenagear aqueles que, como eu, escolheram carregar o distintivo e a responsabilidade de proteger, investigar e, muitas vezes, mediar conflitos que vão muito além da esfera criminal.
Também é um dia para refletir. Refletir sobre como a sociedade vê e valoriza nosso trabalho. Refletir sobre a importância de tratar todos os cidadãos com o mesmo respeito e dignidade. Refletir sobre como podemos fazer mais, mesmo com menos – menos recursos, menos apoio, menos tempo para respirar.
A você, colega delegado ou delegada, deixo meu respeito e minha admiração. A você, sociedade, peço um olhar mais atento e crítico, porque a polícia que você deseja começa com o cidadão que você é.
E assim seguimos. Entre risadas e desafios, entre críticas e homenagens, entre o amor pelo que fazemos e a certeza de que sempre há mais a ser feito.
Parabéns a nós, delegados e delegadas! Que a justiça seja sempre nosso norte – com ou sem a tampa do quebra-cabeça.
Lisdeili Nobre é:
Doutoranda em Políticas Sociais e Cidadania, Delegada de Polícia Civil, Docente do Curso de Direito na Rede UNEX, Cronista de diversos Blogs, Abolicionista Penal, Feminista e Ativista social, Membro da Academia Grapiúna de Artes de Letras, ocupando a cadeira n.º 07 e apresentadora do Política sem Mistério transmitido pela TV i.
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