O segundo truque nos balanços oficiais durante o governo Bolsonaro era contabilizar valores que apareciam nas decisões judiciais ainda a serem aferidos e apreendidos como se fossem bens já apreendidos. Adotando tal estratégia, a PF anunciou nas redes sociais que, em 2020, por exemplo, teria apreendido R$ 10 bilhões.
O balanço das atividades da Polícia Federal (PF) no ano de 2024, divulgado nesta quarta-feira (4) pelo diretor-geral do órgão, Andrei Rodrigues, em um café com jornalistas traz duas mudanças que interrompem a prática – que explodiu durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) – de turbinar os feitos da corporação por meio de números inflados em seus balanços anuais.
Conforme a Agência Pública divulgou em fevereiro passado, a “contabilidade criativa” da PF e do Ministério da Justiça usada em relatórios oficiais e peças de propaganda do governo Bolsonaro levou o número de operações supostamente realizadas a patamares estratosféricos. O relatório de gestão de 2022, por exemplo, alegava que a PF havia feito 27 mil operações somente naquele ano, além de 9.700 em 2021 e 6.700 em 2020. Ou seja, só em 2022 teriam ocorrido, em média, 74 operações por dia, considerando todos os dias do ano, incluindo sábados, domingos e feriados.
O segundo truque nos balanços oficiais durante o governo Bolsonaro era contabilizar valores que apareciam nas decisões judiciais ainda a serem aferidos e apreendidos como se fossem bens já apreendidos. Adotando tal estratégia, a PF anunciou nas redes sociais que, em 2020, por exemplo, teria apreendido R$ 10 bilhões.
Em 2021, durante a gestão de Paulo Maiurino, a PF chegou a divulgar que iria mudar a metodologia dos balanços, mas os números de 2021 e 2022 mostraram que as alterações indicadas não tiveram efeito.
A Pública apurou que, no ano passado, a gestão de Andrei determinou as mudanças no balanço. No café de quarta-feira, em Brasília, ele anunciou que o órgão realizou 2.108 operações em 2024 (até novembro) e 2.246 em 2023. Se os números da gestão Bolsonaro fossem verdadeiros, isso representaria uma queda de cerca 92% nas operações da PF, mas inexiste sinal nesse sentido. O novo balanço também anunciou que os valores “decapitalizados” de organizações criminosas foram R$ 3 bilhões em 2024 e R$ 2,4 bilhões em 2023.
“Esse dado é de bens e valores efetivamente apreendidos. Imóveis, veículos, aeronaves, embarcações, dinheiro em espécie, criptoativos, tudo que foi efetivamente apreendido. Houve um tempo em que se havia, por exemplo, o juiz determinando um bloqueio de R$ 1 bilhão nas contas. Aí a pessoa [policial] vai lá na conta e encontra R$ 1 mil, mas era contabilizado [nos balanços] como R$ 1 bilhão. Não, nós estamos contabilizando aqui o que efetivamente foi apreendido. São bens efetivamente retirados do crime organizado”, disse Rodrigues.
O diretor-geral disse que não iria “fazer comparações com outros tempos”. Os balanços anuais divulgados em Brasília são formulados a partir de dados enviados pelas superintendências da PF nos estados e servem para aferir a suposta produtividade no órgão. Ao longo dos anos, contudo, um dano colateral foi o início de uma “corrida” entre as superintendências para ver quem “fazia” mais operações ou “apreendia” mais valores.
A Pública apurou que, no ano passado, o comando da PF orientou que os balanços não aceitassem mais atos banais da rotina da PF como se fossem “operações”. Ao divulgar o número das ações realizadas, a PF inseriu no balanço a expressão “operações homologadas”, ou seja, são consideradas apenas aquelas ações autorizadas pelas chefias dentro da PF e devidamente consideradas como tal nos mecanismos internos de controle.
Rodrigues disse também que a redução de 6% no número de operações na comparação entre 2023 e 2024 indicou, para ele, um aumento de efetividade. “A gente fez menos operações e indiciou mais pessoas. Ou seja, isso, para nós, aponta que as operações aumentam sua qualidade e aumentam os resultados produzidos por elas. […] A gente está fazendo mais com menos, ou seja, tem menos inquéritos, um pouco menos de operações, mas tem uma efetividade maior, porque tem um número maior de indiciados”.
Rodrigues divulgou ainda que o “índice de solução” dos inquéritos policiais na PF é de 85,9%. “Infelizmente, a média das polícias estaduais é de cerca de 10% de solução [de inquéritos]”, disse o diretor-geral da PF. Segundo o balanço, a PF abriu, somente neste ano, 40 mil inquéritos.
“Às vezes, quando a gente é criticado, tem comentários, ‘vocês só estão cuidando disso’, ‘só estão cuidando daquilo’, não, a polícia teve este ano 40 mil inquéritos instaurados. [Além disso] Nós temos um acervo, hoje, de 50 mil inquéritos em curso”, disse o diretor-geral. Segundo ele, “está tendo um decréscimo do nosso acervo de inquéritos.”
“Eu fiquei das nove da manhã às nove da noite lá no Congresso ontem, [e havia] muitos parlamentares falando das ações da polícia e esquecendo que, a par dessas ações mais rumorosas, a polícia tem outros 50 mil processos em trâmite, e que teve, só nesse período, mais de 32 mil pessoas indiciadas, com crescimento de 14% em relação ao ano passado”, disse o diretor-geral da PF