Foi na noite de uma sexta-feira 13, há 56 anos, que 24 integrantes do Conselho de Segurança Nacional (CSN) se reuniram para decidir sobre a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Liderados pelo general Arthur da Costa e Silva, ditador de plantão, que abriu a sessão defendendo o ato infame, foram se sucedendo ministros civis e militares, que apreciaram a matéria e foram dando, um a um, sua aprovação. Com a única exceção de Pedro Aleixo, que fazia o papel de vice-presidente, firmava-se o compromisso sobre ao ato de força mais brutal da ditadura instalada em 31 de março de 1964.
Na letra fria do decreto, publicado imediatamente após a reunião, depois de seis breves parágrafos contendo os “considerandos”, todos desnecessários pois a ditadura tudo podia, o AI-5 se revela em sua violência em 12 artigos que mandam “às favas todos os escrúpulos de consciência”, como se referiu na ocasião o ministro do Trabalho Jarbas Passarinho, um dos quinze ministros que, protocolarmente, assinaram o ato.
Fosse hoje talvez tivéssemos as imagens de civis e militares que conspurcaram o último laivo de esperança num país prestes a afundar no abismo de uma ditadura desavergonhada e definitivamente escancarada. Registrar a importância dessa máscara desfeita importa para reafirmar que que não há outra maneira de se referir ao golpe e à ditadura, sem lhe chamar pelo ignominio nome que carregam.
Na ausência de imagens, o que se tem é o áudio que registrou parte da reunião, com suas falas modorrentas e afetadas pela arrogância e a certeza da impunidade. Apesar disso, não se ouve nenhum palavrão, diferente das reuniões de aspirantes a ditador do último governo. A falta de palavreado de baixo calão, entretanto, não deve sugerir decoro, pois indecorosa foi a ditadura e tudo aquilo que ela foi capaz de comportar, muito especialmente o que veio sob o patrocínio do AI-5.
Reza a lenda que foi nessa reunião que Pedro Aleixo proferiu uma frase que entraria para a história. Ao responder a uma indagação de Gama e Silva, ministro da Justiça, que mostrava-se contrariado pelo voto do colega, a conversa se daria nos seguintes termos: “Mas Dr. Pedro, o senhor tem alguma coisa contra as mãos honradas do presidente Costa e Silva que está aqui? É ele é quem vai aplicar o AI-5”, ao que Pedro Aleixo teria respondido: “Não, das mãos honradas do presidente da República eu não tenho o menor medo, eu tenho medo é do guarda da esquina”.
Das mãos que assinaram o AI-5, mas também daquelas que chancelaram os atos anteriores, e ainda das que foram coniventes ou permaneceram inertes, escorre o sangue de milhares de brasileiros que foram assassinados, “desaparecidos”, torturados ou que tiveram suas vidas arruinadas. Às favas os malditos que deram o golpe no Brasil e instituíram uma ditadura que mergulhou o país numa noite de 21 anos e permanecem impunes.
*Carlos Zacarias de Sena Júnior, graduado em História pela Universidade Católica do Salvador (1993), mestre em História pela Universidade Federal da Bahia (1998) e doutor também em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2007).
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Publicado no Jornal A Tarde, (Coluna do autor), edição de 13.12.2024.