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Entre a Força da Lei e a Fraqueza da Violência Estrutural

A Súmula 676 do Superior Tribunal de Justiça, ao declarar que não é mais possível ao juiz decretar ou converter a prisão em flagrante em preventiva de ofício, reflete um movimento reformista.

Carlos Nascimento
Por: Carlos Nascimento Fonte: Lisdeili Nobre
13/12/2024 às 12h43
Entre a Força da Lei e a Fraqueza da Violência Estrutural

Há algo de paradoxal na idéia de avançar para garantir direitos e, ao mesmo tempo, retirar do Estado uma das ferramentas necessárias para proteger quem mais precisa. 

A Súmula 676 do Superior Tribunal de Justiça, ao declarar que não é mais possível ao juiz decretar ou converter a prisão em flagrante em preventiva de ofício, reflete um movimento reformista. Um movimento que, embora bem-intencionado em seu cerne, parece ignorar uma das mais cruéis manifestações de desigualdade: a violência de gênero.

Violência de gênero não é um episódio isolado. É uma estrutura. Uma realidade que transcende o crime, reverberando nos espaços públicos e privados, nos lares e nas instituições, no cognitivo e no simbólico. 
O sistema, que deveria proteger, frequentemente se torna cúmplice ao perpetuar uma organização social patriarcal e machista. Aqui, o princípio da equidade deveria atuar com mais força, reconhecendo que a isonomia formal da lei nem sempre é suficiente para corrigir desigualdades materiais.

A limitação imposta pela súmula retira do Estado parte dessa força. Ao exigir que a decretação de uma prisão preventiva dependa da provocação do Ministério Público ou da defesa, corre-se o risco de que a justiça seja capturada pelas mesmas estruturas que sustentam a violência que deveria combater. 

Afinal, quantos advogados ou até mesmo advogadas conseguem identificar, em sua plenitude, a violência de gênero? Quantos promotores, operando sob o peso de parâmetros patriarcais e machistas, enxergam na agressão à mulher mais do que um conflito interpessoal? O resultado é um silenciamento, uma omissão legitimada pela forma da lei.
Não se pode ignorar que o Pacote Anticrime trouxe reformas necessárias ao sistema penal. Ele aprimorou mecanismos de combate à corrupção, fortaleceu garantias processuais e consolidou avanços no sistema acusatório. Mas é também verdade que ele não foi pensado para lidar com a especificidade da violência de gênero. Foi cunhado sob a perspectiva de um sistema que ainda trata a violência como um desvio, uma exceção, e não como a regra estrutural que permeia nossas relações sociais.

Quando a lei se distancia da realidade, ela se torna insuficiente. Ao vedar ao juiz a possibilidade de agir de ofício, a Súmula 676 deixa descobertas mulheres que, sem o amparo de uma defesa comprometida ou de um Ministério Público atento, ficam à mercê de agressores que se beneficiam da inação. O princípio da imparcialidade é vital para um sistema justo, mas não pode ser interpretado como um princípio absoluto em detrimento da proteção de direitos fundamentais.

O desafio é encontrar um ponto de equilíbrio. Um sistema que fortaleça o acusatório sem enfraquecer a tutela de quem vive sob a constante ameaça da violência estrutural. Um sistema que compreenda que, em certos contextos, a omissão também é violência.

Enquanto isso, seguimos debatendo, esperando que, um dia, a justiça deixe de ser um conceito abstrato e se torne, finalmente, uma experiência concreta para todas as mulheres.

Lisdeili Nobre é:
Doutoranda em Políticas Sociais e Cidadania, Delegada de Polícia Civil, Docente do Curso de Direito na Rede UNEX, Cronista de diversos Blogs, Abolicionista Penal, Feminista e Ativista social, Membro da Academia Grapiúna de Artes de Letras, ocupando a cadeira n.º 07 e apresentadora do Política sem Mistério transmitido pela TV i

.@lisdeili.nobre

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Prof. Me. LISDEILI NOBRE
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Este espaço tem como fundamento os Direitos Humanos. Os princípios fundamentais deste espaço são: LIBERDADE - DIVERSIDADE - VIDA – RESPEITO | BIOGRAFIA: Doutoranda em Políticas Sociais e Cidadania na Universidade Católica de Salvador. Mestre em Teologia na linha de pesquisa em Ética e Gestão pela Faculdades EST São Leopoldo/RS, atualmente é Delegada de Polícia/Ba.| lisdeilinobre@hotmail.com
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