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O orçamento como mapa dos gargalos democráticos e das forças de segurança pública

Levantamento mostra que os estados gastam 7% de seus orçamentos com as polícias, 1,8% com sistema prisional e apenas 0,001% com políticas para egressos.

Carlos Nascimento
Por: Carlos Nascimento Fonte: EDIÇÃO N.259 - fontesegura.forumseguranca.org.br
13/12/2024 às 22h34
O orçamento como mapa dos gargalos democráticos e das forças de segurança pública

É alarmante perceber o baixo investimento na produção de provas e na análise de vestígios de crimes, essenciais para comprovar a ocorrência de delitos, identificar envolvidos e garantir a efetividade da segurança pública.

Entendendo que o monitoramento do orçamento público permite a visualização não só do fluxo de recursos, mas, sobretudo, ilustra mapas de poder, propomos neste artigo um debate sobre os dados disponibilizados pelo JUSTA em seu visualizador interativo recém-lançado e que evidenciam as prioridades orçamentárias e os sucateamentos observados entre os investimentos de 22 unidades federativas nas polícias, no sistema prisional e em políticas para egressos, alcançando 93% do total dos orçamentos estaduais, ou R$ 1,1 trilhão de reais.

A plataforma evidencia como o orçamento se traduz em um funil de investimentos, ao mostrar que, em média, os estados gastam 7% de seus orçamentos com as polícias, 1,8% com sistema prisional e apenas 0,001% com políticas para egressos.

Os dados também nos mostram como o investimento nas forças policiais se concentra no trabalho ostensivo das Polícias Militares, que ficam com 59,5% dos recursos, deixando a investigação em segundo plano, com 22,9% do orçamento sendo direcionado às Polícias Civis, e subfinanciando a dimensão técnico-científica, que recebe apenas 2,8%. Do total, 14,8% das despesas foram classificadas como compartilhadas[1].

Em um cenário em que estados brasileiros chegam a gastar 10,6% de seus orçamentos com polícias e 3,3% com sistema prisional (Rio de Janeiro e Santa Catarina, respectivamente) e no máximo 0,01% com políticas para egressos (Ceará), é alarmante perceber o baixo investimento na produção de provas e na análise de vestígios de crimes, essenciais para comprovar a ocorrência de delitos, identificar envolvidos e garantir a efetividade da segurança pública.

Um breve registro sobre a metodologia: o JUSTA adota uma perspectiva conservadora e, além da análise das peças orçamentárias dos próprios estados, concilia os dados com as bases do Tesouro Nacional e SICONFI. Excluímos dos cálculos a aplicação direta entre órgãos e as despesas com aposentadorias e pensões. Os resultados são informados aos estados antes de sua divulgação, para que eventuais correções sejam feitas antes da publicação.

JUSTA dados detalha informações de todas as regiões do país e, por se tratar dos estados com maior percentual orçamentário e valor absoluto consumido com as forças policiais, respectivamente, usaremos os casos do Rio de Janeiro e de São Paulo como exemplos.

São Paulo foi o estado que mais gastou com sistema penitenciário (R$4,8 bilhões) e polícias (R$15,6 bilhões), em valores absolutos, representando 21% e 24% do total dos gastos de todas as unidades federativas analisadas com polícias e sistema prisional, respectivamente.  O JUSTA selecionou funções de inegável importância no orçamento de São Paulo que, somadas, não alcançam o valor destinado à manutenção do sistema penitenciário deste que é o estado com maior população prisional do país para que possamos ver o quanto custa esse encarceramento.

 

Rio de Janeiro é o estado que mais gastou, proporcionalmente (10,6%), com as polícias em 2023. Trata-se do único estado que investe mais em polícias do que em educação – e, como vemos abaixo, mesmo quando somados os valores investidos em trabalho, energia e outras áreas, não se alcança o total destinado às forças policiais.

 

Ao analisar os mais de R$10 bilhões gastos com forças policiais no Rio, vemos que 78,5% do total ficam com a Polícia Militar, 20,8% com a Polícia Civil e 0,5% são despesas compartilhadas. Mesmo sem que tenha havido, ainda, a criação de uma polícia técnico-científica autônoma no estado, chama a atenção a inexistência de reserva de qualquer orçamento para essa relevante frente de atuação. A importância da área poderia se traduzir, no mínimo, na criação de despesas e indicadores específicos no orçamento.

Quando pensamos nos desafios que vinculam a nossa experiência democrática às práticas de segurança pública, os dados parecem dialogar diretamente com dois dos maiores gargalos.

A força política das polícias se revela e se reforça na distribuição do orçamento, aprovado por legislativos cada vez mais protagonizados por policiais que exercem mandato e que, via orçamento, alimentam de modo contínuo a sua relevância orçamentária e, portanto, política.

Na mesma medida, a análise do orçamento revela o esqueleto do poder das facções criminais, que no Brasil podem ser chamadas de facções prisionais: o desinvestimento na produção de prova, na busca por materialidade e autoria, coloca em xeque a legitimidade do encarceramento massivo há anos naturalizado no país. Não bastasse o vício na porta de entrada, o cumprimento da pena se dá em um sistema prisional que vive, como já reconheceu o próprio STF, em um estado de coisas inconstitucional. À porta de saída, contudo, se reserva o cenário de maior desalento e falta de recursos, sem que haja, rigorosamente, qualquer investimento significativo em políticas para egressos, que permitiriam vislumbrar mudanças de rota.

A análise dos dados nos permite compreender que o processo decisório que envolve a alocação do dinheiro público na justiça criminal é importante vetor das mais de 70 facções que prosperam no Brasil, e a inversão do funil de investimentos na segurança pública e no sistema prisional é urgente prioridade.

[1] Com relação às polícias, vale dizer que despesas relacionadas com corpo de bombeiros, departamentos de trânsito e defesa civil são excluídas e ressaltar que quando não há marcadores orçamentários aptos a indicar, com exatidão, a distribuição dos gastos entre as diferentes forças policiais, os recursos são classificados como “despesas compartilhadas”.

LUCIANA ZAFFALON - Diretora-executiva do JUSTA.

FELIPPE ANGELI - Coordenador de advocacy do JUSTA.

TACIANA SANTOS DE SOUZA - Coordenadora de pesquisas de orçamento do JUSTA.

EDIÇÃO N.259 - fontesegura.forumseguranca.org.br

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