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Assistência jurídica aos profissionais de segurança pública: uma luz na escuridão?
A assistência jurídica ao policial militar se constitui como medida de promoção de qualidade de vida, transmitindo aos profissionais de segurança pública o mínimo de segurança jurídica para desempenharem suas funções institucionais, cabendo aos gestores a escolha da melhor opção para a efetividade dessa garantia.
11/02/2025 12h41
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br/ | Edição nº 264

A atividade policial militar, em todos os cantos do Brasil, possui uma característica única: o alto risco das ações para todos os envolvidos, seja ao cidadão abordado, seja ao suspeito da prática de infração penal, seja aos transeuntes que estão próximos ao local de uma ocorrência e, por dever de ofício, ao próprio policial militar. Desse modo, não é incomum que o profissional de segurança pública seja investigado em processo disciplinar ou em processo judicial, ou ainda se torne réu em demanda criminal no âmbito do Poder Judiciário.

A intensidade de algumas ações durante o serviço, a imprevisibilidade das ocorrências despachadas diuturnamente, o desgaste físico e psicológico inerente à profissão, aliado à necessidade constante de estar atento ao que ocorre ao seu redor, demandam do policial militar uma perene prontidão física e psicológica para responder, de maneira eficiente, às circunstâncias que lhes são apresentadas sem deixar de observar a proteção da integridade física e da vida de terceiros, aqui incluídos autores e vítimas de infrações penais, testemunhas e pessoas que se relacionam com a atuação policial.

Em razão da previsão legal quanto ao uso da força em benefício do bem comum, por meio do uso diferenciado da força, que pode ocorrer mediante a mera presença policial, passando pelo controle de contato, controle físico, técnicas e tecnologias menos letais ou, como última alternativa (às vezes a única alternativa), o uso da força letal, o policial militar, ainda que atuando amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa, se vê submetido a um procedimento disciplinar, investigatório ou judicial, visando à análise da legalidade, proporcionalidade e conveniência de suas ações.

Nesse momento, surge a necessidade afeta a qualquer indivíduo submetido a um julgamento: o direito à ampla defesa e ao contraditório, institutos diretamente relacionados ao devido processo legal. E aqui reside um primado constitucional de relevância ímpar que é a presunção de inocência, de modo que ninguém será considerado culpado senão depois de uma sentença condenatória transitada em julgado, ou seja, que não exista mais possibilidade de (re)discussão do tema.

O mesmo princípio se aplica aos procedimentos disciplinares, com eventual aplicação da sanção disciplinar correspondente somente após o esgotamento de qualquer revisão administrativa. De igual modo, também atinge eventual ação cível que apure a responsabilidade do policial militar na reparação do dano supostamente sofrido por aquele que busca o judiciário.

Com as recentes alterações legislativas, em especial a vigência da Lei nº 14.751/2023, que trata da Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, a assistência jurídica aos policiais militares por atos praticados em serviço, ou em razão dele, se tornou mais um instituto que merece atenção, constituindo-se como uma garantia legal para aqueles que, por dever de ofício, figurarem como investigados, indiciados ou réus em processo criminal, cível ou administrativo, em decorrência de sua atuação funcional.

Esse instituto se reveste de maior relevância considerando o disposto na Lei nº 13.060/2014 e na recente edição do Decreto nº 12.341/2024, ao abordarem o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública.

A grande questão sobre a qual o gestor – político ou institucional – deve agora se debruçar é: como colocar em prática essa garantia? A simples afirmação de que a assistência jurídica é uma garantia não basta para fazer valer tal proteção jurídica pois, conforme o próprio texto da lei, depende de regulamentação do ente federado.

Sugerem-se, então, algumas alternativas para esse debate. A primeira opção é o suporte da Defensoria Pública, ente responsável pela defesa jurídica dos hipossuficientes, ou seja, aqueles que não dispõem de recursos para arcar com os custos processuais sem prejudicar a própria subsistência e da família, além de garantir a efetividade da garantia fundamental do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Esse atendimento pode ser formalizado por meio de um acordo de cooperação técnica, definindo os termos do serviço de assistência jurídica a ser fornecido.

O atendimento jurídico ao policial militar não se relaciona com a condição de hipossuficiência, se afastando por completo do critério econômico-financeiro, mas sim decorrente de expressa previsão legal que prevê a assistência jurídica como uma garantia em razão do exercício profissional.

A outra alternativa é a contratação de bancas especializadas em Direito Militar. Como se sabe, essa temática não integra a matriz curricular dos Cursos de Graduação em Direito no país, ocupando apenas as cadeiras de disciplinas complementares ou cursos de extensão. Isso qualifica ainda mais o serviço prestado por escritórios de advocacia especializados em Direito Militar, penal e processual, além das demandas de cunho disciplinar militar, trazendo ainda mais segurança ao profissional de segurança pública, em particular ao policial militar, que diuturnamente lida com inúmeras situações de risco no desempenho de suas atividades.

Importante destacar a recente manifestação do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 610.523 e 656.558, que culminou com o Tema de Repercussão Geral nº 309. Na ocasião, decidiu-se que a contratação de banca especializada para defender interesses jurídicos pode ser feita sem licitação, caso não ocorra o processo licitatório nos moldes da Lei nº 14.133//2021, sem que isso configure ato de improbidade administrativa, com a ressalva de que se comprovem, entre outros requisitos, a notória especialização profissional e a natureza singular do serviço, a inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público e a cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado.

Assim, a assistência jurídica ao policial militar se constitui como medida de promoção de qualidade de vida, transmitindo aos profissionais de segurança pública o mínimo de segurança jurídica para desempenharem suas funções institucionais, cabendo aos gestores a escolha da melhor opção para a efetividade dessa garantia legal.

Leandro Almeida Damas de Oliveira - Capitão da PM/DF, Bacharel em Direito, em Segurança e Ordem Pública e em Ciências Policiais, Pós-Graduado em Segurança e Ordem Pública, em Direito Militar, em Saúde Mental e em Docência do Ensino Superior.

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