Essa prática, na qual indivíduos são abordados com base em características étnicas, e não em evidências concretas de atividade criminosa, leva ao aumento artificial das estatísticas de crimes cometidos por estrangeiros. Como resultado, migrantes tornam-se alvos preferenciais de operações policiais e detenções preventivas, perpetuando sua marginalização.
O avanço da extrema-direita no cenário global tem se consolidado em diferentes democracias ocidentais, impulsionado pelo discurso de securitização da imigração. A recente reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos e o crescimento expressivo da Alternativa para a Alemanha (AfD) nas projeções eleitorais alemãs ilustram a força desse discurso, que posiciona a imigração como um problema central para a segurança pública.
Embora os contextos político e social dos Estados Unidos e da Alemanha sejam distintos, a retórica empregada pela extrema-direita em ambos os países segue um padrão semelhante: imigrantes são apresentados como uma ameaça ao bem-estar nacional e à ordem social, sendo responsabilizados pelo aumento da criminalidade. Esse discurso não apenas distorce dados sobre crime e imigração, mas também legitima medidas autoritárias que enfraquecem os direitos humanos e aprofundam divisões sociais. No caso alemão, a AfD propõe políticas como deportações em massa, fortalecimento da vigilância policial sobre migrantes, retirada da Alemanha de acordos internacionais que garantem direitos básicos a refugiados e rejeição automática de pedidos de asilo. Essas propostas se alinham às medidas observadas nos Estados Unidos, como o aumento das deportações e a permissão para a apreensão de imigrantes sem documentos em locais sensíveis, como escolas e igrejas.
A fusão entre políticas de controle imigratório e criminal leva ao que Juliet Stumpf [1]chamou de Crimmigration (Crime + Immigration), um fenômeno em que estados passam a tratar imigrantes não apenas como estrangeiros, mas como criminosos em potencial, independentemente de cometerem delitos. Esse processo justifica o aumento da vigilância sobre comunidades migrantes e o endurecimento das leis de imigração, apresentando a expulsão de imigrantes e o reforço das fronteiras como soluções prioritárias para os desafios da segurança pública.
Essa dinâmica é amplificada por discursos políticos e midiáticos que enfatizam casos isolados de crimes cometidos por estrangeiros para criar a percepção de que a imigração está descontrolada e representa uma ameaça iminente. A seletividade da cobertura midiática dá ampla visibilidade a crimes violentos cometidos por imigrantes, enquanto minimiza ou ignora delitos praticados por cidadãos nativos, reforçando essa narrativa de insegurança.
Além disso, a atuação das forças policiais desempenha um papel crucial na construção da associação entre imigração e criminalidade. Ao concentrar esforços de fiscalização em comunidades migrantes e reproduzir práticas discriminatórias, como o racial profiling, as forças de segurança intensificam a criminalização da imigração. Essa prática, na qual indivíduos são abordados com base em características étnicas, e não em evidências concretas de atividade criminosa, leva ao aumento artificial das estatísticas de crimes cometidos por estrangeiros. Como resultado, migrantes tornam-se alvos preferenciais de operações policiais e detenções preventivas, perpetuando sua marginalização.
No entanto, uma análise baseada em evidências demonstra que a relação entre imigração e criminalidade não encontra suporte em estudos acadêmicos e relatórios oficiais. Dados da polícia alemã indicam que a criminalidade não aumentou proporcionalmente ao fluxo migratório. Estudos comparativos internacionais reforçam que fatores como desigualdade, acesso a oportunidades e estrutura institucional são determinantes muito mais relevantes para a criminalidade do que a nacionalidade ou o status migratório.
A criminalização da imigração cumpre um papel eminentemente político. Ao transformar imigrantes em bodes expiatórios, governos de extrema-direita desviam o foco de problemas estruturais, como falhas no sistema de bem-estar social e desafios na segurança pública que não podem ser resolvidos por medidas exclusivamente punitivas. O discurso da Crimmigration é eficaz para justificar políticas repressivas e excludentes, mas carece de qualquer evidência concreta de sua eficácia na promoção da segurança pública. No fim, a perseguição a imigrantes apenas aprofunda desigualdades e mina princípios democráticos fundamentais.
A criminalidade é um fenômeno complexo, influenciado por múltiplos fatores, incluindo contexto socioeconômico, estrutura institucional, políticas de policiamento e dinâmicas locais. A associação simplista entre imigração e crime ignora essas nuances e opera mais como instrumento político do que como resposta real aos desafios da segurança pública. Medidas repressivas e excludentes não apenas falham em reduzir a criminalidade, mas também aprofundam divisões sociais e corroem princípios democráticos. Políticas eficazes devem se basear em evidências e equilibrar estratégias de policiamento democrático, preparadas para lidar com sociedades diversas, com mecanismos de participação social e iniciativas que favoreçam a integração econômica e institucional dos imigrantes. A segurança pública não pode ser reduzida a ações punitivas, mas deve ser construída a partir de abordagens que promovam coesão social e garantam direitos sem recorrer à criminalização de populações inteiras.
[1] Stumpf, Juliet. The Crimmigration Crisis: Immigrants, Crime, and Sovereign Power.” American University Law Review 56, no. 2 (December 2006): 367-419.
Ariadne Natal - Doutora em sociologia, pesquisadora de pós-doutorado do Peace Research Institute Frankfurt (PRIF).
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