ARTICULISTAS A COR DA QUESTÃO
As pessoas reais e as coisas inconstitucionais na discussão da ADPF 347
Reconhecendo uma violação generalizada de direitos fundamentais nas prisões brasileiras, o Judiciário declarou que há espaço para fazer diferente, em nome da mínima coerência com os parâmetros derivados do.
14/02/2025 10h51
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br/ | EDIÇÃO N.265 (Juliana Brandão)

O quanto cabe de humanidade no tratamento jurídico das pessoas encarceradas? A resposta para essa pergunta vem, no momento atual, ao menos do ponto de vista técnico, pela via do Plano Pena Justa, homologado em dezembro de 2024, pelo STF, no julgamento da ADPF 347. O  reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional é um passo importante para equacionar soluções. Reconhecendo uma violação generalizada de direitos fundamentais nas prisões brasileiras, o Judiciário declarou que há espaço para fazer diferente, em nome da mínima coerência com os parâmetros derivados do Estado Democrático de Direito.

Trata-se aí de um chamado para o razoável e para o equilíbrio, de modo que não falte, nem haja excessos, na responsabilização penal. Formalmente, também há uma estratégica para mobilização em escala nacional – após a aprovação das balizas gerais, começam agora as formatações dos planos estaduais e distrital, de modo a que as singularidades dos territórios sejam consideradas nos planos de ação.

Portanto, dúvida não há sobre as coisas inconstitucionais, que foram assumidas como incompatíveis com uma sociedade que aposta na reintegração social. Contudo – e aí quero me deter – enquanto são realizados os ajustes legalmente necessários para que esse conjunto normativo tenha consequência, as pessoas presas, aquelas que não cabem nos discursos, seguem contando com um bom planejamento dos gestores públicos.

Isso porque, a água potável, a comida saudável e os remédios não podem esperar. A ocupação pós cárcere, a assistência à família do preso também precisam acontecer, o quanto antes. A retomada da dignidade se impõe, com a urgência que não é medida pelos prazos processuais, mas continua pedindo passagem.

Embora fisicamente impossível que dois corpos ocupem o mesmo lugar no espaço, ainda toleramos que, em uma cela onde há capacidade para 20 pessoas, coexistam 100.

Facilmente são esquecidos, a insalubridade, os maus tratos, a tortura, a insuficiência de assistência jurídica, como se o fato de estar preso fosse sinônimo de ausência de direitos.

Acostumados que estamos com a hierarquização das diferenças, a evidência do racismo também não tem sido suficiente para ir além do indigesto, porém passageiro, desconforto – numa ponta não chega a 15% a porcentagem de juízes negros (Justiça em Números, CNJ/2024), de outra, temos que 69% das pessoas presas são negras (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, FBSP/2024).

Para que a discussão sobre a igualdade possa se robustecer na prática, o  trabalho é árduo e exige consistência. Foi a soma de esforços que permitiu com que a ADPF 347 prosperasse. Agora, com a jornada em curso, para que as pessoas reais e as coisas constitucionais tenham lugar, isso não será diferente.

Juliana Brandão - Pesquisadora Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

https://fontesegura.forumseguranca.org.br/  | EDIÇÃO N.265

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