Sustentamos esta posição há tempos: as drogas estão entrando ininterruptamente no país, pela chamada Rota do Solimões, todos os dias e de diversas maneiras. Descem a correnteza desde os países produtores até os grandes centros urbanos ou até os grandes portos do Brasil rumo ao mercado internacional.
No dia 2 de agosto de 2024, a denúncia de uma mulher que havia sido agredida levou os policiais militares do 8º Batalhão de Polícia Militar de Tabatinga (AM) a uma incursão pelas selvas amazônicas.
Depois da negativa do comandante local do Exército Brasileiro em apoiá-los em meios e força, alegando que dependia de autorização de Brasília, um grupo de 12 policiais militares e dois policiais civis comandados pelo major comandante do batalhão seguiu de lancha por duas horas, cruzando os rios Solimões e Javari até o igarapé Crajarí, próximo ao município de Benjamin Constant. Desembarcou e se embrenhou mata adentro por mais três horas de caminhada até uma comunidade indígena, onde efetuou uma das maiores apreensões de droga do estado do Amazonas.
As cinco toneladas de pasta de cocaína estavam escondidas, preparadas para o transporte até Manaus. Seria mais uma sexta-feira normal nas atividades da polícia naquela área de fronteira não fosse por um pequeno detalhe que chamou a atenção dos policiais: as drogas estavam sendo escondidas em fundos falsos de canoas regionais, num processo chamado de “caletação” pela população local.
Em razão da grande seca, o igarapé Crajarí não oferecia condições de navegação. Enquanto cada canoa recebia entre 200 e 300 kg de pasta de cocaína, os bandidos aguardavam as águas subirem para escoarem a produção.
Acostumados com dezenas de maneiras engenhosas de ocultação de droga, como o armazenamento no interior de botijões de gás (transportados em balsas que levam até cinco mil deles), dentro de espigas de milho, misturada com frutas, na argila de vasos de cerâmica, escondida em compartimentos secretos de bagagens e até das próprias embarcações, os policiais atentaram para o fato de que, naquelas canoas que navegam às centenas pelos rios da Amazônia, conduzidas por pescadores, indígenas, nativos, sejam eles brasileiros, peruanos ou colombianos, eles jamais seriam parados nas bases de fiscalização da polícia. Ainda que o fossem, a droga dificilmente seria encontrada.
A quantidade de pasta era tão grande que a extração e a operação de transporte duraram cerca de cinco dias e só foi possível com o apoio de um helicóptero Black Hawk e de um pelotão do Exército brasileiro.
Se considerarmos que aquela quantidade de droga foi deixada ali por helicópteros, que seria misturada com outras substâncias e que seu valor de revenda chega a triplicar nos mercados internacionais, estamos falando de um prejuízo que chega a R$ 1 bilhão para o tráfico.
A operação de extração da droga foi tensa e perigosa sob vários aspectos. Além dos perigos normais de confronto com traficantes, muitas vezes bem mais armados do que a própria polícia, de emboscadas na selva, de se perderem na mata, um “deslize” de um dos policiais colocou todos em uma situação de perigo extremo. Acometido de um arroubo súbito de vaidade, aproveitou-se do sinal de internet gerado por uma antena da Starlink (equipamento presente em quase todos os locais de apreensão de drogas e nas embarcações que as transportam), enviou as fotos do material apreendido e detalhes da operação para a imprensa que, instantaneamente, fez a divulgação da missão que ainda estava em andamento.
A história contada acima ratifica uma posição que sustentamos há tempos: as drogas estão entrando ininterruptamente no país, pela chamada Rota dos Solimões, todos os dias e de diversas maneiras.
Mesmo com um esforço gigantesco dos governos estaduais do Amazonas[1] e do Pará, principalmente com a utilização de bases fluviais em pontos estratégicos, são muitas as formas de driblar a fiscalização, e as drogas continuam descendo a correnteza a favor dos rios Solimões, Negro e Amazonas, desde os países produtores até os grandes centros urbanos ou até os grandes portos do Brasil rumo ao mercado internacional.
Fazer segurança pública na Amazônia é caro e difícil. Seja por questões de vaidades (individuais e institucionais), de logística, de transporte, de dificuldade de acesso, de falta de comunicação. Mas, se não enfrentamos esse problema de maneira adequada, as drogas continuarão a abastecer os grandes centros e fortalecer as facções e organizações criminosas. Dito de outra forma, pouco adianta o enfrentamento ao Comando Vermelho, nos morros do Rio de Janeiro, ou ao PCC, em São Paulo, se primeiramente não “fecharmos as porteiras” no Norte.
Sabemos todos que os desafios são imensos e que não existe uma solução única e definitiva. No entanto, existem caminhos possíveis, como:
1) o comprometimento da União no sentido de determinar que as Forças Armadas e a Polícia Federal realizem o policiamento diário e ininterrupto das fronteiras e dos locais de passagem;
2) o aporte significativo de recursos federais aos governos estaduais da Região Amazônica em segurança pública e na criação de infraestrutura e logística, como o incentivo ao desenvolvimento de cadeias produtivas locais diversificadas, que considerem as potencialidades regionais e a preservação ambiental;
3) políticas públicas que favorecem a educação, a capacitação profissional e o acesso ao crédito para pequenos produtores;
4) promoção de acordos internacionais com os países vizinhos (Peru e Colômbia) para aumento na fiscalização das fronteiras e destruição dos locais de produção;
5) aperfeiçoar a legislação no sentido de endurecer as penas por porte de arma de grande potencial ofensivo, como os fuzis;
6) aperfeiçoar os mecanismos de recuperação de ativos e reversão para as forças de segurança;
7) aprimorar a troca e o cruzamento de informações de órgãos dos poderes municipais, estaduais e federais;
8) aperfeiçoar e intensificar as ações de inteligência financeira e combate à lavagem de dinheiro;
9) adotar políticas públicas de criação de renda e emprego para a população dos municípios da Amazônia;
10) promover o debate acadêmico, político e social como forma de provocar o engajamento social, dentre outras.
[1] O Amazonas gasta anualmente cerca de R$ 19.200.000,00 em cada base fluvial com uma contrapartida de R$7.200.000,00 do governo federal.
Cesar Maurício de Abreu Mello - Doutor em Ciências (NAEA/UFPA), mestre em Segurança Pública (IFCH/UFPA) e coronel da Polícia Militar do Pará.
Erika Natalie Pereira Miralha Duarte - Doutoranda em História (PPHIST/UFPA), mestra em Segurança Pública (IFCH/UFPA) e coronel da Polícia Militar do Pará.
EDIÇÃO N.269 | fontesegura.forumseguranca.org.br/
Clique na IMAGEM e acesse a Coluna Fonte Segura/PÁGINA DE POLÍCIA, espaço destinado para publicações de artigos dos articulistas do Fonte Segura/Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Responsável em instalar e dar manutenção em aparelho de ar- condicionado, ventilação e calefação;