Texto de autoria de Crispiniano Daltro, especialista em gestão pública com ênfase em municípios.
A discussão sobre os rumos dos programas sociais no Brasil é urgente e necessária. Ainda defendo que todos os cidadãos beneficiários de iniciativas como o Bolsa Família, com gestão do governo federal em parceria com os municípios, realizem um Cadastro de Qualificação. A partir desse instrumento, essas pessoas passariam a compor um banco de dados voltado à ocupação em frentes de trabalho, conforme as necessidades das administrações públicas e da iniciativa privada.
As frentes de trabalho poderiam abranger atividades como limpeza urbana, construção civil (pública e privada), segurança patrimonial, serviços de salva-vidas, apoio em zoológicos e hospitais — como atendentes, maqueiros e auxiliares de serviços gerais — entre diversas outras áreas possíveis de atuação.
É válido relembrar experiências positivas do passado, como a realizada durante a gestão do então prefeito Imbassahy, quando foi firmado um convênio entre a Prefeitura, a Limpurb e associações de bairro. Nessa ocasião, voluntários desempregados foram cadastrados para atuar na coleta de resíduos em locais de difícil acesso para os caminhões da coleta regular, levando os materiais a pontos estratégicos para posterior recolhimento.
Dentro desse modelo, a convocação para prestação de serviços seria obrigatória, e o não comparecimento, mesmo que justificado, implicaria o desligamento automático do programa de benefícios. No entanto, o sistema também abriria a possibilidade de contratação formal desses cidadãos, dando-lhes perspectivas reais de autonomia econômica. É imprescindível, inclusive, assegurar condições mínimas de dignidade durante o exercício das atividades, como o fornecimento de alimentação no local.
É possível vislumbrar, por exemplo, prefeituras mobilizando mulheres beneficiárias para treinamentos e posterior atuação em creches. Jovens, por sua vez, poderiam ser capacitados para executar funções administrativas leves, como serviços de "office boy" em órgãos públicos, restaurantes, empresas e escritórios.
Seria de bom alvitre lembrar que o recebimento do Bolsa Família não impede o reconhecimento da relação de emprego, pois as normas do benefício permitem que o empregado celetista permaneça usufruindo dele, a depender da renda per capita da família. Ou seja, a formalização do trabalho não necessariamente implica na exclusão do benefício, mas sim na sua reavaliação conforme os critérios previstos.
É necessário transformar os programas de transferência de renda em instrumentos de transformação social efetiva, por meio da qualificação, do trabalho e da dignidade. O assistencialismo não pode ser um fim em si mesmo, mas um ponto de partida para a construção de uma sociedade mais justa, autônoma e produtiva.