Autor: Bel. Luiz Ferreira
Máxima vênia, este artigo tem o propósito único de esclarecer, na medida do possível, aos colegas que sofreram ou estão na iminência de sofrer algum tipo de ilegalidade e, consequentemente, constrangimentos — inclusive perdas salariais — em virtude da omissão de nossas entidades de classe. É indiscutível a inércia quanto a essa questão. E, quando falamos de salário, estamos também tratando de dignidade.
Nobres colegas e operadores do direito, diante dos inúmeros Processos Administrativos Disciplinares (PADs) abertos para apuração de supostos ilícitos administrativos praticados por servidores — em especial os policiais civis —, é necessário refletirmos sobre o princípio da imparcialidade.
Este princípio jurídico determina que as decisões devem ser tomadas de forma justa e equitativa, sem favorecimentos ou preconceitos. Assim, fica claro que Investigadores de Polícia Civil (IPCs) e Escrivães de Polícia Civil (EPCs), sendo em tese subordinados aos Delegados de Polícia Civil (DPCs), os quais, pela Lei Orgânica da Polícia Civil, se autodenominam superiores hierárquicos, não podem e não devem presidir PADs quando o fato apurado envolver um suposto ilícito cometido por um IPC contra um DPC.
Quando um DPC é designado como presidente de um PAD nessas condições, o procedimento nasce viciado, dada a parcialidade implícita na relação hierárquica e funcional entre os envolvidos. Como bem ensinou o jurista alemão Rudolf von Ihering, em sua obra A Luta pelo Direito (1872), o peso da balança da justiça certamente estará desequilibrado quando a espada da justiça estiver nas mãos contaminadas pela parcialidade.
A parcialidade em um processo administrativo compromete sua lisura, podendo prejudicar o inocente ou beneficiar o culpado. A imparcialidade, princípio constitucional, exige que a administração pública trate todos com isenção e igualdade, sem se deixar influenciar por opiniões subjetivas.
E o que ocorre se em um PAD houver parcialidade? Ele pode ser anulado. A Constituição Federal, em seu artigo 93, inciso IX, estabelece que todas as decisões devem ser fundamentadas e motivadas. A ausência desses elementos pode acarretar a nulidade do procedimento.
Com base na prática cotidiana, entende-se que mais de 90% dos PADs instaurados em corregedorias da Polícia Civil são passíveis de anulação, pois geralmente envolvem conflitos entre servidores de diferentes níveis hierárquicos, onde o julgador pertence à mesma classe funcional do superior hierárquico envolvido. Isso, além de ilegal, é imoral e atenta contra o princípio da imparcialidade e o princípio da razoabilidade. Seria o mesmo que escalar um árbitro brasileiro para apitar a final da Copa do Mundo entre Brasil e Argentina — ou um árbitro argentino para esse mesmo jogo. Seria razoável? Seria coerente?
A condução de processos administrativos com erros e vícios, que quase sempre resultam em prejuízo ao servidor de menor escalão, constitui uma afronta direta ao princípio da moralidade administrativa. É inadmissível que as entidades de classe permaneçam inertes diante de tais violações, que não apenas prejudicam a ficha funcional do servidor, mas também o abalam psicologicamente, levando-o à depressão, à perda da autoestima e ao desestímulo no exercício de sua função.
Muitos servidores exemplares foram vítimas dessa prática, sendo desmotivados pelo próprio sistema, perdendo a confiança e o ímpeto de seguir na missão de proteger a sociedade. Ao provar do “próprio veneno”, o policial civil percebe que a serpente que ataca não faz distinções: é feroz e implacável com qualquer um que ouse representar uma ameaça aos interesses estabelecidos.
A defesa do princípio da imparcialidade é fundamental para assegurar a justiça nos procedimentos administrativos e preservar a dignidade dos servidores públicos. A atuação proativa das entidades de classe é urgente e indispensável. É necessário que se posicionem com firmeza frente às ilegalidades que maculam não apenas as carreiras, mas também o sistema de justiça e o equilíbrio institucional. Só assim será possível restabelecer a confiança dos policiais civis em suas instituições, permitindo que exerçam suas funções com a coragem, o zelo e a honra que a sociedade espera deles.
Bel Luiz Carlos Ferreira de Souza - Brasileiro, baiano, casado, 63 anos, servidor público aposentado pelo estado da Bahia, atualmente reside no estado do Rio Grande do Sul, com formação técnica em redator auxiliar, acadêmico em História, Direito, pós-graduado em Ciências Criminais, política e estratégia e mestrando em políticas públicas.
Contato: lcfsferreira@gmail.com
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