Segunda, 05 de Maio de 2025
26°C 27°C
Salvador, BA
Publicidade

Apelido “CLT” e o que ainda há para dizer sobre o racismo

Quando o perfil dos encarcerados no Brasil é majoritariamente composto por pessoas negras, perfazendo 69,1% do total, e apenas 19,7% dos presos trabalham, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, ficamos frente a frente com a evidência de que continuam frágeis as políticas públicas oferecidas para a (re)inserção social.

Carlos Nascimento
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br/ | EDIÇÃO N.273
20/04/2025 às 12h24 Atualizada em 20/04/2025 às 12h29
Apelido “CLT” e o que ainda há para dizer sobre o racismo

Quando o perfil dos encarcerados no Brasil é majoritariamente composto por pessoas negras, perfazendo 69,1% do total, e apenas 19,7% dos presos trabalham, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, ficamos frente a frente com a evidência de que continuam frágeis as políticas públicas oferecidas para a (re)inserção social.

Não faz muito tempo que tivemos notícia de um caso de bullying, no qual o centro da ofensa, dirigida a uma criança negra de 9 anos, girava em torno do trabalho formal. “Ser CLT” se transformou em mote para humilhação. Aos olhos apressados e que naturalizam a desigualdade, pode ter parecido tão só mais uma “brincadeira infantil” nesse “mundo que está ficando muito chato”. No entanto, vemos nesse episódio da vida real todos os contornos da precarização das relações de trabalho – baixo salário, jornada exaustiva e ocupação desprestigiada.

No caso em questão, a “contratação”, segundo uma folha de anotações de uma Carteira de Trabalho e Previdência Social desenhada pelos autores da ofensa, se deu no cargo de pedreiro civil, com salário de 50,25 “CRS” por ano e jornada de trabalho de 18 horas por dia.

O desprezo pelo trabalho e também pela lógica dos direitos vem de longe. A longevidade do processo de escravização é prova disso. Trabalhar é castigo. Dignidade tem preço.

Isso ganha ares dramáticos e fica bem distante da expectativa de se alcançar a dignidade humana, no assunto trabalho e sistema prisional. Quando o perfil dos encarcerados no Brasil é majoritariamente composto por pessoas negras, perfazendo 69,1% do total, e apenas 19,7% dos presos trabalham (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2024), ficamos frente a frente com a evidência de que seguem frágeis as políticas públicas oferecidas para a (re)inserção social.

Além disso, a saída do cárcere, ao contrário de dinamizar a recolocação profissional, arrasta o estigma da prisão para fora dela. Não raro os egressos da prisão são tidos como inaptos às vagas de trabalho, o que alimenta a narrativa equivocada de que sobram vagas e faltam candidatos.

O alvará de soltura não altera automaticamente os laços sociais. Uma vez rompidos, hão de ser reconstruídos ou, por vezes, até mesmo construídos. A suposição de que os vínculos de pertencimento estão localizados no campo dos esforços individuais é sinal de uma leitura que consente com a permanência e perpetuação da exclusão.

E onde o racismo se situa nessa lógica? Na ausência de políticas públicas focalizadas nesse público atravessado pelas imbricações raciais, toma-se como uma causalidade algo que é derivado de uma decisão. A negação de direitos joga os egressos à própria sorte, fazendo crer que o insucesso na retomada dos projetos de vida é derivado do fracasso individual. Na verdade, estamos lidando com reflexos diretos de um sistemático apagamento da atuação do Estado, que abre espaço para suportes das famílias, das comunidades religiosas e, sim, do crime organizado. Paradoxalmente, a reentrada no sistema prisional também figura como possibilidade.

Nesse sentido, o FBSP publicizou o levantamento realizado sobre políticas públicas direcionadas para pessoas egressas do sistema prisional, abarcando relatório de visita de campo a cinco estados brasileiros: Espírito Santo, São Paulo, Maranhão, Minas Gerais  e Tocantins. Mirando na mensuração de atividades de trabalho e renda, o objetivo da pesquisa “Como mensurar: a reinserção social por meio de atividades de trabalho e geração de renda de pessoas egressas do sistema penitenciário no Brasil”  foi analisar iniciativas concretas voltadas às pessoas egressas e quais relações se estabelecem, a partir daí, no campo da reinserção social. Esse debate se conecta com as propostas do Plano Pena Justa, homologado em dezembro de 2024 pelo STF. No recorte dos egressos, entre as mais de 300 metas previstas, há um eixo especificamente voltado para esse público.

Desvelar essas engrenagens pode orientar ações que nos levem para uma pauta pública que, de fato, seja inclusiva e antirracista, no cenário das políticas de trabalho e renda, incluindo o sistema prisional. Isso porque, para além das boas intenções, mudanças estruturais exigem estratégia e métodos. Se estamos falhando, já na infância, na tradução dos valores que realmente importam, quando lidamos com o mundo do trabalho, eis aí mais uma oportunidade de realinharmos a rota. O desafio não é pequeno, mas está em curso.

Juliana Brandão

Doutora em Direitos Humanos pela USP e pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

fontesegura.forumseguranca.org.br/  |  EDIÇÃO N.273

Clique na IMAGEM e acesse a Coluna Fonte Segura/PÁGINA DE POLÍCIA, espaço destinado para publicações de artigos dos articulistas do Fonte Segura/Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

 

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Mostrar mais comentários
PROFISSÃO POLÍCIA Há 20 horas

Mortes policiais abruptas e paulatinas como elementos culturais

Vivenciar o risco é ser policial, sentir-se responsável é ser policial, resolver é obrigação policial.

MÚLTPLAS VOZES Há 1 dia

A alocação da polícia ostensiva por “hotspot” e os contornos da segurança cidadã

A concentração do policiamento nas áreas identificadas por tecnologias, por terem maior incidência de determinados delitos, tem sido citada por estudos internacionais como estratégia preditiva eficaz, se utilizada de maneira correta.

MÚLTIPLAS VOZES Há 1 dia

Os obstáculos internos na segurança pública brasileira: como divisões nas polícias e a multiplicação do poder de veto inviabilizam reformas

A fragmentação interna das polícias e sua forte articulação política podem estabelecer um sistema de vetos capaz de impedir transformações institucionais.

A COR DA QUESTÃO Há 1 dia

Precisamos todos saber onde é Luanda

A capilaridade e adesão à construção de um coletivo pautado pela não discriminação exige uma mudança sobre o que valorizamos e, assim, legitimamos como indispensável na luta por igualdade racial.

AMPARO ESPIRITUAL Há 1 dia

A captura simbólica das polícias brasileiras pelos discursos religiosos‑conservadores e de extrema‑direita: riscos para a democracia

Se a sociedade não reagir com firmeza, poderemos assistir à consolidação de um complexo policial‑religioso‑autoritário que, sustentado por legitimidade eleitoral e amparo espiritual, minará as instituições por dentro.

FONTE SEGURA
FONTE SEGURA
Espaço destinado para publicações de artigos dos articulistas do Fonte Segura/Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ver notícias
Salvador, BA
26°
Parcialmente nublado
Mín. 26° Máx. 27°
27° Sensação
8.72 km/h Vento
73% Umidade
100% (16.49mm) Chance chuva
05h42 Nascer do sol
05h42 Pôr do sol
Terça
27° 26°
Quarta
27° 25°
Quinta
27° 25°
Sexta
27° 26°
Sábado
27° 26°
Publicidade
Publicidade


 


 

Publicidade
Economia
Dólar
R$ 5,65 -0,10%
Euro
R$ 6,39 -0,04%
Peso Argentino
R$ 0,00 +0,00%
Bitcoin
R$ 566,831,84 -2,46%
Ibovespa
135,133,88 pts 0.05%
Publicidade
Publicidade
Enquete
Nenhuma enquete cadastrada
Publicidade
Anúncio
Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga. Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga.