Por Crispiniano Daltro
A Polícia Militar, tal como a conhecemos hoje, tem sua gênese no período do regime militar brasileiro, especificamente com a promulgação do Decreto-Lei nº 667, de 1969, sob a égide do Ato Institucional nº 5 (AI-5).
Criada para substituir as antigas Guardas Civis – que eram forças de natureza civil voltadas para o policiamento urbano e preventivo – a PM foi concebida como uma força auxiliar e reserva do Exército, inserida em um contexto de segurança nacional e doutrinação militar.
Apesar dessa origem, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu, no artigo 144, § 5º e 6º, que as Polícias Militares são responsáveis pelo policiamento ostensivo e pela preservação da ordem pública, funções eminentemente civis e urbanas. Assim, o Estado Brasileiro reconhece, juridicamente, uma instituição militarizada incumbida de tarefas essencialmente civis.
É justamente nessa contradição que reside o cerne da problemática da segurança pública no Brasil: uma polícia treinada com base na lógica do confronto e do inimigo interno, mas que, constitucionalmente, deveria atuar como servidor público da comunidade, presente de forma permanente e preventiva nos espaços urbanos, com foco em evitar o crime e promover a segurança cidadã.
É imperativo que os senhores governadores, assim como ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, compreendam a essência desta atividade administrativa constitucional. As Polícias Militares, enquanto órgãos de segurança pública, precisam ser gestadas como forças públicas de presença física, uniformizados devidamente para policiamento de prevenção – e não como tropas de soldados com a missão de ocupação que invadem territórios. O óbvio, os bairros, neste novo paradigma, não são zonas de guerra, mas sim repartições públicas a céu aberto , onde a presença estratégica e contínua do Poder Público se traduz em paz social.
O fracasso das políticas públicas de segurança no país está justamente em ignorar esta premissa. A militarização e o uso de estratégias de controle territorial, como câmeras e ações reativas após a ocorrência dos delitos, são medidas comprovadamente inócuas se não forem acompanhadas de uma reestruturação institucional que compreenda o papel civil das PMs.
A presença física do policial é exclusivamente uniformizado e não fardado no bairro, próximo da comunidade, é a maior tecnologia de prevenção que o Poder Público pode oferecer, diferente do que foi instalado pela ministério da Justiça e Segurança Pública, no Rio de janeiro o projeto denominado de Pacificação no Rio de Janeiro, implementado a partir da década de 1990, programa esse, das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que o objeto do "Estado Polícia" visavam recuperar o controle territorial de áreas sob domínio de grupos criminosos, com o objetivo de reduzir a violência e a presença de traficantes nas comunidades. Ou seja: mais uma vez os especialistas autores de tal projeto, na verdade o plano do Estado não era Pacificação e sim tomada de territórios.
E qual foi o resultado?
O surgimento de facções com estrutura empresarial e identidade própria não é fruto do acaso, mas do vácuo estatal em áreas onde o poder público deixou de estar presente de maneira contínua e eficaz. Hoje, domínio dos morros no Rio de Janeiro e outras metrópoles de Estados não é mais o comércio do jogo de bicho, máquinas, gás e drogas, mas sim empresarial, com uso de registro comercial e CNPJ.
Enquanto isso, o verdadeiro crime organizado, intangível e nebuloso, silenciosamente avança para dentro das estruturas do próprio Estado – infiltrando-se no poder judiciário, na polícia judiciária, no ministério público, prefeituras e até mesmo nas forças armadas e suas diversas polícias auxiliares, reservas que circulam livremente nos órgãos dos três poderes nos Estados entes e Municípios.
Insistir em estratégias e projetos militarizadas como panaceia para a violência urbana é ignorar o próprio desenho constitucional das Polícias Militares. Não é atoa que os governadores não querem abrir mão do controle dos seus exércitos (PMs).
A solução passa por uma mudança de paradigma: da guerra ao crime para a construção da paz social, da lógica do confronto para a lógica do serviço público. A polícia que “resolve” pela força é um modelo falido. É preciso construir uma polícia que previna pelo vínculo, pela presença e pela confiança.
Chega de discursos de bravatas, de slogans e de medidas cosméticas. O resultado disso tudo tem sido apenas mais dor, insegurança e descrença.
A Polícia Militar precisa ser, antes de tudo, o rosto humano do Estado nas ruas.
Por Crispiniano Daltro