As últimas semanas foram marcadas por episódios que refletem um nível preocupante de politização de militares e policiais. Se não forem tomadas medidas efetivas para conter os ânimos e impedir a radicalização dos quartéis, o quadro político nacional tenderá a se agravar.
No domingo, 23 de maio, o ex-ministro da Saúde e general da ativa, Eduardo Pazuello, participou em um ato ao lado do presidente Jair Bolsonaro. Na ocasião, o oficial subiu em um carro de som com o chefe do Planalto e outros aliados depois de um passeio de moto no Rio de Janeiro. Apesar da flagrante infração disciplinar, após ser pressionado pelo presidente o comandante do Exército decidiu não punir o general.
A decisão do comandante causou indignação entre muitos oficiais, uma vez que abriu um precedente extremamente perigoso de quebra da disciplina. O episódio mostrou que o presidente interferiu gravemente nos assuntos internos do Exército Brasileiro. Ele já fizera isso na Polícia Federal, no COAF e na Receita Federal. Esperava-se que as FFAA pudessem resistir às suas investidas.
No sábado, 29 de maio, a Polícia Militar de Pernambuco dispersou violentamente manifestantes que protestavam contra o presidente Jair Bolsonaro num ato pacífico no centro do Recife. Duas pessoas perderam a visão de um olho após terem sido atingidas por tiros de bala de borracha que partiram da polícia.
Um documento da PMPE indica que o comando da corporação ordenou a dispersão dos manifestantes. Segundo o relatório interno, o comandante do Batalhão de Choque, responsável pela operação, havia sido orientado pelo Comandante Geral da Polícia, coronel Vanildo Maranhão, para dispersar a manifestação usando os meios disponíveis, caso eles avançassem em direção à praça do Diário. O governador decidiu exonerar o secretário de Segurança Pública e o Comandante Geral após a divulgação das imagens, que desmentiram a versão de que os policiais estavam apenas reagindo às agressões dos manifestantes.
Em Goiânia, no dia 31 de maio, um policial militar prendeu um professor que se negara a retirar do seu carro uma faixa que chamava o presidente Jair Bolsonaro de "genocida". De acordo com o tenente que realizou a abordagem, o professor estaria infringindo a Lei de Segurança Nacional, que proíbe calúnias contra presidente da República. Entretanto, a LSN é de competência federal, cabendo exclusivamente à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal a sua aplicação. Em função disso, o Comandante Geral da PMGO decidiu afastar o oficial enquanto o fato for apurado.
Os três episódios, embora diferentes, apontam que a política já entrou nos quartéis. Ao impedir a punição do general, ficou claro que Bolsonaro conta com apoio e tolerância do alto escalão da defesa. No caso Pazuello, ele contou com o apoio do ministro da Defesa, general Braga Netto, que deveria atuar para proteger as FFAA das interferências políticas. Foi o que fizeram o ex-ministro da Defesa e os ex-comandantes das três Forças quando, de forma inédita, pediram em conjunto exoneração dos seus cargos.
A ordem do comandante geral da PMPE de dispersar com balas de borracha um ato pacífico de 300 pessoas que protestavam contra o presidente Bolsonaro mostrou seletividade e exagero no controle de protestos, pois outras manifestações políticas de apoio ao governo Bolsonaro não foram reprimidas.
A abordagem do policial de Goiás mostra o quanto os policiais estão engajados na disputa política que se vê atualmente no país. Dois levantamentos recentes indicam que o número de agentes radicalizados no Brasil, que flertam com discursos antidemocráticos, é significativo. Pesquisa do instituto Atlas de abril deste ano apurou que 21% dos policiais brasileiros (chega a 27% entre PMs) admitem ser favoráveis à instalação de uma ditadura militar. Outra pesquisa, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de agosto de 2020, analisou postagens no Facebook de policiais e estimou que 12% dos policiais militares, 7% dos civis e 2% dos federais publicaram conteúdos defendendo o fechamento do Congresso e/ou a prisão de ministros do STF.
O crescimento do ex-presidente Lula nas pesquisas de intenção de votos tende a fortalecer ainda mais Bolsonaro entre os militares e policiais, uma vez que há uma enorme rejeição a Lula entre os militares e policiais. Bolsonaro provavelmente usará sua influência junto a esses segmentos para alcançar seus interesses políticos. O ano de 2022 promete ser muito tenso dentro e fora dos quartéis.
Fonte: fontesegura.org.br